*Rangel Alves
da Costa
De vez em
quando viajo em pensamentos e até bato à porta da casa no alto da montanha ou
me vejo nos mosteiros budistas construídos nas alturas tibetanas, quase
escorregando pelos penhascos.
Subir à
montanha e lá encontrar o refúgio de paz. Abrir a porta da casa e avistar um
mundo pequenino adiante. Quanto o olhar avista desse cume de Deus, dessa altura
de nuvem e de céu. E sentir a vida de modo tão diferente que o viver não será
mais que uma doce e singela oração.
Há um silêncio
total nos mosteiros budistas. Mesmo que por ali estejam alguns velhos monges na
eternidade da meditação, o silêncio só é cortado quando mãos invisíveis fazem
dobrar os sinos da fé. E é como se das encostas do penhasco a vida ao redor
fosse despertada para o primeiro ofício do dia: dê a tua mão à outra mão!
Surge na minha
mente um mundo assim. De olhos fechados avisto a igrejinha chegando à altura da
nuvem. Ela está lá no alto do monte rochoso, bem no pico mais elevado, como se
uma cruz fincada por uma fé extrema. Até lá seguirei um dia. De joelhos me
dobrarei perante o seu altar e direi aos anjos que ali é muito alto, mas não
cansa subir.
Mas nem tudo é
sonho ou imaginação. Aqui mesmo no lastro terreno há uma casa construída em
cima de uma pedra que muito me desperta a atenção. Talvez até as paredes sejam
também de pedra bruta e cimento de tempo. De vez em quando passo bem ao seu
lado e em tudo avisto a simbologia da frágil eternidade.
Frágil
eternidade, isso mesmo. Avisto e sinto que a pedra também se desgasta, corrói,
vai abrindo sulcos na sua impenetrabilidade. Ela continua grande, intacta,
bonita, porém desgastada pelo tempo que vai pingando seu suor e pelas ventanias
que sempre insistem em querer leva-la também.
A casa da
pedra não fica no alto, mas apenas na altura da pedra grande. A casa da pedra
não é diferente de outras casas, mas apenas que é de pedra e construída em cima
de uma pedra. A casa da pedra possui aparência indestrutível. Mas é frágil
demais. E duma fragilidade que mais parece o ser humano.
Ora, sempre
imaginei que uma casa de pedra e construída em cima de uma pedra bem que
poderia ter janelas e portas de ferro, ou mesmo de pedra. Mas não. As janelas e
as portas da casa de pedra são de madeira comum, de uma madeira qualquer como
aquela utilizada nas demais moradias.
Mas por que
uma casa na indestrutibilidade da pedra possuir janelas e portas de madeira tão
frágil e quebradiça? Talvez seja um mistério premeditado, concebido como lição
à própria vida humana. Na pedra ou no ferro, sempre haverá um meio de mostrar
suas frágeis entranhas. No ser humano não é diferente, ainda que fosse na
tessitura mais inquebrantável do mundo.
Acaso fosse
uma casa de pedra, no ser humano seriam avistadas portas e mais portas, janelas
e mais janelas, todas velhas e carcomidas, caindo aos pedaços, deixando à
mostra as mazelas dos vãos interiores. Na casa da pedra humana, de paredes
impenetráveis, no entanto bastaria tocar e porta para fazê-la desabar. E assim
por que há no homem tamanhas vulnerabilidades que todo o seu ferro em ferrugem
se transforma num só instante.
Mas a casa da
pedra continua logo após a estrada por onde costumeiramente caminho. Qualquer
dia desses vou entrar no seu mundo e bater à sua porta. Não sei quem ali
reside, jamais avistei seu semblante debaixo do sol ou da lua. Imagino,
contudo, que seja uma pessoa que pouco ou nada sabe do significado daquela
casa.
Somente quem
assim construiu deveria saber. Mas creio que jamais imaginou deixar para a
posteridade a grande visão do indestrutível perante o mundo tão frágil. Mas
assim o fez. Na porta de madeira carcomida como proteção ao imperecível. E
nisto a verdade: nada é tão forte que não acabe um dia. Até a casa de pedra em
cima da pedra.
Escritor
Membro da
Academia de Letras de Aracaju
blograngel-sertao.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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