Por Jerdivan Nóbrega de Araújo
Estávamos a
pouco mais da meia noite do dia 16 de julho de 1969. Na terceira janela,
da esquerda, na casa de Godô, como acontecia todas as noites, um velho Rádio,
fiel companheiro de mestre Álvaro, era o centro das atrações.
Soprava um vento frio e o céu estava estrelado como estreladas são todas as
noites de Pombal.
Não mais do que duas televisões existiam em toda a cidade, e ainda em testes. Mesmo assim, era bem melhor continuar com o velho rádio como companheiro do que “ficar olhando aquela caixa de “abeias” como dizia Biino”.
Biino, velho tocador de fole dos cabarés de Pombal/PB
Havia mais de um mês que o assunto da Voz do Brasil era, entre uma e outra homenagem à “Revolução”, a viagem do homem à Lua. Uns queriam ouvir para desmentir; outros ouviam apenas por que nas noites da Rua de Baixo, quando não se estava jogando baralho e tomando cachaça, estava-se de orelha colada no rádio e tomando cachaça. Ainda mais que o Brasil havia acabado se classificar para a copa do México.
Olhar fixo no céu, os rádios ouvintes não queriam perder um só lance do que, para aquele povo, não passava de uma grande mentira.
De repente, na voz do repórter vem à contagem regressiva e lá estão os três heroicos americanos Armstrong Collins, e Aldrin, subindo em direção à lua.
Pelo menos foi assim em outras localidades!
Mas, não na Rua de Baixo!
Aqui o narrador até que se esforçava para convencer a plateia incrédula, numa comovente narração que deveria convencer, sem sombras de dúvidas, a toda a humanidade, que os americanos são capazes de tudo e que a democracia americana havia vencido mais uma vez os “vermelhos”, vindos já de dois fracassos na tentativa de ser o primeiro país a colocar um ser humano na face da lua.
Vista da Rua de Baixo (Rua Benigno Ignácio Cardoso D' Arão),
o velho ourives judeu Benigno Ignácio Cardoso D' Arão e Godofredo Bispo, casado
com Enedina Cardoso Bispo, neta do velho Benigno Cardoso e irmã de Severino
Cruz Cardoso, tia de José Romero Araújo Cardoso
O repórter era incansável em sua narração. Afinal, se era bom para os Estados Unidos, deveria ser bom para o Brasil. - Já havia dito Kennedy, numa outra oportunidade.
— E seguem estes bravos americanos para uma aventura sem igual na história da humanidade. Um Foguete de 23 metros, batizado de Apolo XI, vai levá-los nessa histórica aventura, narrava emocionado o locutor de A Voz do Brasil.
Rua de baixo
Mas aqui, no chão enlameado da Rua de Baixo a história não era bem assim. Cândido se contorcia em sua cadeira de balanço e jurava que era tudo mentira.
— Ora, basta olhar para cima para se vir que é mentira: nem lua tem esta noite! Resmungava o incrédulo ouvinte.
— Seu Cândido tem razão: e mesmo se a lua estivesse no céu, como um foguetão de vinte e três metros vai pousar numa coisa do tamanho de uma bolacha peteca? — Retrucou Joãozinho de Chica.
Rua de Baixo
— Eu acho que
esses americanos querem ser é Deus, mas, na verdade, o que falta neles é a presença
de Deus... Aleluia, aleluia, aleluia... Falou em tom de pregação Genésio de
dona Dôra, já de Bíblia aberta em mãos.
Zé de Dozinho e João Rapadura, mais espertos, tomavam a cachaça sem dar muita atenção à viagem cósmica dos americanos ou aos comentários dos descrentes pares, enquanto Dilau, já bêbado, tenta acertar a lua com uma pedrada.
Dilau
— Gente, será
que isso não é cavilação de seu Raulino?- resmungou Biró de Onofre.
— Mas, me diz uma coisa: esse foguete tem mesmo 23 metros? - Indagou Cizenandro.
— Foi o que disse o rádio de mestre Álvaro. — defendeu Godô, que, em seguida, chamou Tana e mandou que este fosse até a casa do Pedreiro Natércio, pegar um escala para poder projetar as medidas do foguete, visualmente.
Crocodilo
Logo que a escala chegou, a procissão de cambaleantes e incrédulos bêbados seguiu pela Rua Benigno Cardoso, medindo o chão, até chegar aos vinte e três metros. Atrás de todos, Chico de Godô, Crocodilo e Chico de Ernesto disputavam o último gole de aguardente.
Chico de Ernesto
Medido os vinte e três metros, seguiu-se um silêncio, que foi quebrado pelo comentário de Zé da Viúva:
— Vixe diabos! Agora lascou! Como é que um foguetão do tamanho da chaminé da Brasil Oiticica vai subir até a lua? Se for assim eles vão encontrar a lua cheia de foguetão soltada por seu Inácio e, Pedro Corisco na Procissão do Rosário.
Seu Inácio dos fogos
— Eu quero é que eles levem um coice do cavalo de São Jorge para deixar de se meter com o que tá quieto. E vocês, seus cachaceiros fi de uma puta, que não tem o que fazer, vão fazer barulho na porta da puta que pariu. Onde já se viu a gente num poder dormir por conta de um bocado de desocupado? — falou seu Joaquim já irritado com o barulho.
Mestre Álvaro Benigno de Sousa
Mestre Álvaro, um homem da ciência, que até aquele momento não se pronunciara concentrado na voz do locutor, falou:
— Enquanto vocês acreditam ou deixam de acreditar se os americanos foram à lua, eles estão chegando lá e vão trazer o foguete cheio de ouro.
— Conversa seu Álvaro. Se a lua é de prata como eles vão trazer ouro? — corrigiu Cachorra Veia.
Diasa
(Otacílio Trajano de Sousa)
Diasa diz que é coisa de americano, por tanto o “Bicho” vai ser águia. Dona Valmira de Zé Compressor discorda, e conta um grupo de três astronautas e no grupo três é burro.·.
A noite foi curta. O Rádio Alto Piranhas, já havia saído do ar. Pedro Jaca e Zé Capitula passam as com suas jumentas para buscar água no rio; Dussanto Fon – Fon, que faz o mesmo percurso, para olhar para trás, coça o calcanhar direito com o esquerdo, e segue sem entender o que tá acontecendo, para brechar as lavadeiras nos barrancos do rio; Zé Vicente começa a ensaiar as notas na sua Tuba, chico de Godor diz; “eu vou ali comer Terezão e volto já”, e não volta mais. E assim, a discussão, que continuou madrugada adentro, vai se dissipando com a chegada do sol e a volta da normalidade a Rua de Baixo
Outras garrafas de cachaça haviam sido providenciadas, de forma que ninguém sabia mais se o homem estava viajando para a Lua, Marte ou o diabo que os carregue.
De vez em quando, alguém ainda se lembrava de olhar para o céu e resmungar um balbucio, sempre na esperança de ver um ser vivente ou, quem sabe, um foguete de vinte e três metros que venha prová-los que os americanos realmente estavam a caminho da lua.·.
Foi a primeira grande conquista espacial do homem, porém, como disse Godô, o mais descrente:
— O homem foi à lua assim como dona Poncher, sogra de seu Valderir eletricista, viu discos voadores sobrevoando a Rua de Baixo.
Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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