Rangel Alves da Costa*
O relógio pode ser igual, o ponteiro também, mas não há como não dizer que as horas se diferenciam. E muito. Dependendo da situação, um simples badalar de um sino vai muito além da hora da prece ou do chamado da igreja para a oração. O dobrar chama também a saudade, a angústia, o sofrimento. A hora pode ser a mesma, mas seu compasso diferencia-se de situação a situação.
Hora do adeus, hora da despedida, hora da partida, em tudo hora triste. O aceno indesejado, o sinal sempre evitado, o tempo marcando a tristeza da hora. O sino que dobra na igrejinha, o grito perdido no ar, a certeza que a hora chegou. Horas tristes, sofridas, melancólicas, desoladoras desde o primeiro segundo. E as tristezas se avolumando a cada minuto, a cada passar do tempo.
As horas tristes não se resumem ao que é marcado pelo relógio ou que chega no instante exato, mas são sentidas em uma infinidade de situações e momentos. As horas da solidão são tristes e dolorosas, as relembranças e as saudades sempre entristecem os instantes. Naquele afazer do dia, quando o simples ato de abrir um armário ou passar o espanador no porta-retrato, ou mesmo colocar água na planta do caqueiro, não deixa de ser um gesto aflitivo.
Tristes são as horas dos quartos fechados e janelas entreabertas. No silêncio escurecido, na penumbra das quatro paredes, tudo parece chamar o sofrimento. A solidão pelo abandono, a solidão pelo desamor, a solidão pela carência, o mundo que parece caído com a lágrima que molha a face. E os pensamentos, as saudades e a sensação de não poder ter por não possuir ou pela distância, vão se mostrando como horas que desafiam a própria existência.
Para muitos, as horas chuvosas são verdadeiros dilúvios de padecimentos. Com as nuvens se derramando, também todo o ser escorrendo em leito de angústias. Basta sentir os primeiros chuviscos e o espírito começa a nublar, e quando o tempo se fecha escurecendo as paisagens, então sombras tempestuosas tomam conta de todo o ser. E tudo faz doer, desde os pingos escorrendo pela vidraça às flores mortas que vão sendo levadas na enxurrada.
Nos instantes assim, de chuva lá fora e tempestade por dentro, não há lenço que consiga enxugar os sentimentos que afloram. Assim porque os momentos de chuva são pesarosos, carregados de muitas significações aflitivas. O tempo escurecido acende a luz da saudade, da recordação, da vontade de estar ao lado de outra pessoa. Por isso mesmo que tudo parece mais frio, mais temeroso, mais solitário e carente.
Não menos tristes são as horas que chegam com o entardecer e se prolongam nas noites e madrugadas. As cores do por do sol, as revoadas que passam, os matizes avermelhados do horizonte e a cantiga da brisa que chega soprando sem voz, acabam refletindo dolorosamente em muitos seres. São também instantes de reflexões e de recordações, de silêncios que gritam de muitas formas na alma. E quando as cores somem e as sombras da noite avançam, então as nostalgias noturnas começam a atormentar.
As noites chegam com mistérios e encantamentos, mas também com sombras que envolvem os pensamentos. Na noite tudo desperta com mais intensidade, mais profundamente. Na noite o sintoma se torna doença, o temor se transforma em medo, a saudade se transmuda em lágrima, a lágrima em terrível aflição. Não há lua bonita, não há céu estrelado, não silêncio e ventania que amenizem as tristezas que chegam com a noite. Talvez seja pela solidão maior que a pessoa tanto agoniza nos noturnos que sempre chegam.
Os poemas da noite são os mais tristes, até o ato da oração é um instante de solene tristeza. A vela flameja adiante e as mãos em oração invocam luzes para o viver. Os olhos molhados, a boca trêmula, a prece acaba se tornando uma confissão de sofrimento. Mas tão triste também é essa fé que aflige desde o sino que ecoa na igreja. Não há coração que não se inquiete quando o sino dobra. Às vezes anuncia apenas a hora da Ave Maria, mas também um instante triste de despedida.
E como doem as horas de despedida. O adeus a quem tanto ama é momento que se eterniza na saudade e no sofrimento. E enquanto os sinos dobram os lenços se encharcam e a vida se vai um pouco também. E o que resta vai se desfazendo ainda mais a cada hora triste.
Escritor
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