Por Rangel Aves da Costa
O mundo inteiro vivenciou, comoveu-se, sofreu e chorou, com o drama dos meninos e do adulto tailandeses que durante mais de quinze dias permaneceram nas escuridões perigosas da caverna Tham Luang. O que era para ser apenas um passeio após um treino de futebol, acabou se transformando num drama de proporções mundiais. Todo o planeta passou a voltar seus olhares, rogos e orações para a caverna tailandesa.
Somente no décimo oitavo dia os quatro últimos foram resgatados por uma força-tarefa internacional. Entraram para se proteger das chuvas, mas foram adentrando mais e mais com a força das águas que iam inundando cada recuo que davam. Por fim, foram dados como desaparecidos até se transformarem em angústia mundial. Felizmente resgatados com vida, sem danos aparentes ou ferimentos, deixaram algumas lições que por muito tempo estarão escritas.
No caso da caverna Tham Luang, a certeza dos perigos que rondam os desconhecidos. Muitos são os perigos presentes em campo aberto, em terra firma, rente e acima do chão, imaginem-se os contratempos que estão ocultos nas fendas escurecidas, nos subsolos longínquos, nos subterrâneos assustadores. Da boca da caverna em diante, ainda que a mesma já tenha sido explorada, sempre algum temor pelo inesperado. E mais ainda quando a sua entrada de repente é fechada por águas que insistem a tudo inundar.
Sempre há perigo. Os exemplos são muitos dos pesadelos escondidos em tais abismos. A literatura é farta em fazer da caverna uma simbologia de confronto com o desconhecido. Sempre há encontro com o inesperado, sempre há luta para retornar, sempre há o terror perante a escuridão. Ora, dentro da caverna há um verdadeiro submundo povoado pelo desconhecido. Neste sentido ontem mesmo escrevi:
“[...] a caverna tem se mostrado como um local que abriga em si o mito, a lenda, o medo, o mistério, o segredo, o inexplicável. Ora, desde os tempos primitivos que ficar aprisionado em caverna significa se manter num pêndulo entre a vida e a morte. Numa caverna Platão situou o seu mito da difícil escolha. O Minotauro vivia nos labirintos de uma caverna, assim também a Medusa e outros seres vencidos por Ulisses na sua odisseia. Na caverna o belo e o inexplicável, os subsolos assustadores e as formações encantadoras. Dizem que seres extraterrestres fazem suas bases em cavernas. Dizem também que suas entranhas possuem portais não só para o além como para o negro submundo. Dizem muito sobre as cavernas, e geralmente como lugares espantosos e assustadores. E agora, perante o acontecido na Tailândia, há a comprovação que nestas fendas terrestres há muito mais mistérios e perigos do que imagina nossa vã filosofia”.
A caverna, contudo, serve como alusão a muito mais. Não queremos aceitar, mas vivemos ao redor e dentro de cavernas. Não queremos admitir, mas vivemos procurando cavernas, quase sempre estamos nos afastando da luz em busca de sua desconhecida escuridão. No ser humano há sempre a propensão para fugir do lugar seguro, para sair de onde lhe dê segurança e paz, indo sempre em busca das fendas aterrorizantes. Muitas vezes, arrisca-se apenas pela aventura, mas depois por se deixar entranhar noutros mundos que não os seus.
A caverna está, ameaçadoramente, presente em tudo. Está constantemente chamando o ser, está sempre dizendo que não é ruim se arriscar para aprender com o perigo e o sofrimento. Quando a pessoa não vai, não aceita entregar-se ao desconhecido, eis que a caverna da realidade se mostra à sua frente. E, infelizmente, dessa não há como fugir. Não há como fugir da vida. E esta vida, que tanta luz e tanto sol vai mostrando a cada um, também revela os encontros com os inesperados e os dolorosos.
A cada passo a dor e o sofrimento, a cada pedaço da estrada as angústias e as desilusões. Ninguém quer que seja assim, mas a caverna exige que padeça e sofra, que se submeta e saiba vencer. Noutras vezes, os abismos que se abrem pelo próprio chamado do ser. Cavernas das drogas, fendas dos desregramentos, buracos dos desnorteamentos da vida. Enquanto uns lutam até o fim para vencer os abismos, estes simplesmente vão afundado, indo mais e mais em busca dos precipícios, até que tudo se fecha de vez.
Escritor
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