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quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

NAS CHEIAS DO RIACHINHO: A MULHER DE BRANCO, A PEDRA CHORADEIRA E OUTRAS APARIÇÕES

*Rangel Alves da Costa

Toda vez que bota cheia, que vem escorrendo de riba com água de lado a outro, o Riacho Jacaré, lá no sertão sergipano de Poço Redondo, transforma-se numa maravilha de encantar.
Contudo, mistérios e mais mistérios chegam juntos nas águas. Desde o barulhar das correntezas ainda ao longe, tudo já se mostra como mistério. Tem gente que acha que aquele murmurejar é produzido pela força da correnteza irrompendo tudo, mas dizem que não é bem assim.
Os mais velhos sabiam decifrar aquele murmurejar e logo começavam a orar assim que os seus ecos surgiam ao longe. Rezavam pelas almas arrastadas pela correnteza e que eram levadas para mais além, para as desconhecidas distâncias.
Que não se imagine, contudo, que eram almas humanas, mas almas mortas dos sertões morridos pelas ações do homem em carne e osso e dos segredos indecifráveis da natureza. Alma do gado morto, do bicho morto, da planta morta, da pedra morta, do leito morto. Alma da nascente ossuda e magra, da beirada devastada, da feiura tomando conta de todo o riacho, do abandono e destruição.
Tudo isso se iniciava quando a cheia começava a avolumar e a escorrer. Num gemido lamentoso, num sussurrar lastimoso, num canto represado e fúnebre, assim os ecos surgiam ao longe: a morte ou as mortes pedindo passagem. Zuuummmmm, vrrruuuuummm...
Hoje em dia, o som das águas parece até melodia. E é melodia sim. Mas uma melodia chorosa e enlutada que vem trazendo as vidas mortas quando depois de anos e anos de seca e da impiedosa ação humana.
Depois do anoitecer, tem gente que chega às suas margens molhadas e jura por tudo na vida ter ouvido fortes baticuns como se pessoas, animais ou objetos, saltassem das pedras e sumissem nas águas.
Tem gente que diz da existência de Nego D’água. Mas uma criatura assim de repente surgida num leito de cheia recente? Nego D’água não, mas o véu pesaroso e pesado da Mulher de Branco.
Sim, toda vez que o riachinho enche ela aparece. Poucos conseguem avistá-la, mas ela sempre fica bem ao alto da pedra mais alta no meio das águas. Pedra misteriosa, inexistente ali, mas surgida como altar à lamentosa mulher: a Mulher de Branco.
Bem naquele local, em priscas eras, numa época de cheia grande, uma moça bonita se lançou às águas, toda pronta para o casório, após o seu noivo abandoná-la no altar e fugir com a viúva Donana dos Queijos.
Então, em toda cheia ela surge no alto da pedra e lá, sempre lacrimejando, vai jogando sua grinalda e seu véu. De tecido branco, leve, de seda, mas faz um barulho tão grande que mais parece um baticum.
Ali o carregamento das dores, o peso do abandono amoroso. Tem gente que diz tê-la avistado toda nua, de corpo tão lindo que mais parece feito de lua, mas que de repente vai tomando forma de lágrima e se derrama toda, toda inteira pelas águas.
Mistérios assim acontecem muito. Causos e mais causos dão conta dos inexplicáveis acontecidos no riachinho em época de cheia. Tem também a história da pedra choradeira, da carcaça de gado que sobe das águas e voa gemendo, ruminando, berrando, em direção aos escondidos da lua.
Também do menino com gaiola à mão e que num instante é avistado num lugar e no mesmo momento já está em outro. E fica acenando, chamando, chamando, até caminhar para o meio das águas e desaparecer.
Eu mesmo já ouvi contar da cobra tão grande que de uma vez só engoliu mais de dez porcos que eram criados dentro do leito seco do riacho. Quando o riacho botou cheia e pegou os porcos desprevenidos, a cobra se posicionou de boca aberta por onde as águas iam passar. Não tinha nem o trabalho de mastigar. Era só engolir.
Sem falar na chinela que aparece sozinha e atrás de bunda de menino pra bater. Mas essa é uma história muito triste. A pobre da mãe foi atrás do filho no riacho pra dar chinelada, escorregou numa pedra e... Ao menos assim me contaram. Só não sei se é verdade. Se for mentira, não é minha não, viu?!


Escritor
blograngel-sertão.blogspot.com

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