Por
Rangel Alves da Costa
Conforme conhecimento geral, o chefe do clã dos Carvalho da Serra Negra, filho de Pedro Alexandre de Carvalho e Dona Guilhermina Maria da Conceição, o depois temido e reverenciado tenente João Maria de Carvalho (coronel por força do poder e da patente concedida pelos méritos da força e do mando), sempre se sobressaiu vitoriosamente aonde sua mão e seu passo puderam alcançar.
Agraciado pela família de nomeada por toda a Serra Negra e arredores, cada um dos filhos de Pedro Alexandre logo procurou tecer seu próprio destino. E eram muitos, nada menos que quatorze, sendo a metade de homens. Nas lidas da terra, na compra e venda de rebanhos, nos estudos, no tino da troca e da venda de mercadorias, no contexto local de poder, cada um foi garantindo seu lugar ao sol. E João Maria, antes de todo o poder alcançado, antes de se tornar tenente e coronel nordestino, antes de ser dono e rei de um mundo, foi um inquieto e irrequieto lutador. E, na luta, os muitos ofícios, desde o tangimento de gado ao comércio.
João Maria de Carvalho
Do seu tino de comerciante, eis que um dia, lá pelos fins dos anos 20, fincou pé nas bandas de Santa Brígida, não distante de sua Serra Negra, onde passou a comercializar, principalmente nos dias de feira, tecidos, chinelos e outros produtos de uso pessoal e do lar. E foi neste local que o moço garboso, já passado dos trinta anos e ostentando o poder da sedução, lançou o olhar sobre uma mulher que lhe pareceu de atração diferenciada. Naqueles sertões de mulheres tímidas e recatadas, um olhar mais penetrante logo despertava verdadeiro desejo.
Aquela que encontrou era como que uma flor dengosa, feminina demais em cada olhar e gesto, uma atriz de cinema naquele mundo carrasquento e embrutecido. Logo se encantou. No seu livro “Lampião Além da Versão - Mentiras e Mistérios de Angico, no capítulo “Maria Bonita, Rainha e Deusa do Cangaço”, Alcino Alves Costa narra como se deu tal episódio amoroso, e diz:
“Faz feira, com um comércio de tecidos, em Santa Brígida, um dos descendentes da tradicional família Carvalho, de Serra Negra. É ele um jovem moço que anos depois veio a se tornar no famoso e temido tenente João Maria de Carvalho."
A futura rainha do cangaço inicia um romance com o prestimoso lojista que seria depois o grande patriarca daqueles sertões. Romance ardoroso. Altamente sigiloso. Tão sigiloso que ainda hoje é negado por seus familiares.
Rangel Alves da Costa
Tempos aqueles em que uma mulher casada era uma preciosidade que só poderia ser alcançado dentro do maior segredo e debaixo de sete chaves.
Maria Déa se atira aos braços do amante. João Maria é exatamente o inverso do marido. É explosivo, ardente, carinhoso e arrojado, deixa a moça na mais completa felicidade.
O ardor dos encontros proibidos faz com que Maria cada vez mais se afaste do sapateiro. Já não partilhavam à mesma cama. As brigas a cada dia se multiplicavam. Impossível continuar vivendo aquela fracassada união. Só existia uma solução: a separação definitiva. Corre o ano de 1930.
Lampião reina absoluto por aquelas bandas baianas. É o nome que se fala, que se comenta. Eis que o grande bandoleiro aparece na Malhada da Caiçara.É carinhosamente recebido. Faz amizades. As visitas se tornam constantes. Todos comenta, o romance de Maria com o famoso rei dos cangaceiros.
Maria Bonita em foto do final da década de vinte (acervo de João de Sousa Lima)
Em uma manhã de fevereiro de 1931, Lampião a leva para sua companhia. A bela flor de Santa Brígida, que há anos vinha murchando na taperinha de Zé de Neném, ia, agora, florir a vida seca e encrespada de Virgulino Ferreira da Silva, passando a ser a deusa e rainha do cangaço”.
Tal história, ainda recentemente me foi asseverada por Orlando da Serra Negra, sobrinho-neto de João Maria, segundo o qual sempre ouviu histórias dando conta de que a relação entre o comerciante e a jovem esposa do sapateiro ia muito além da amizade. Costumeiramente, João Maria mandava entregar a Maria Déa cortes de panos, sandálias e perfumes. Entregar e nada cobrar, pois presentes especiais para uma pessoa de afinidade. Desse modo, difícil negar que antes dos braços do Capitão Lampião, a futura Maria Bonita lançou-se aos braços de um embrionário coronel sertanejo.
Que sina a desta mulher, a desta Maria. Saindo daquele mundo que não lhe cabia, por ela mesma rejeitar, e enveredando pelos caminhos onde um ex-amante era amigo e dava guarida ao seu capitão. De um lado o coronel, de outro o cangaceiro, e a beleza feminina a todos envolvendo e enfeitiçando. Que se diga, contudo, que a página de João Maria na vida de Maria, foi simplesmente rasgada após ela se tornar cangaceira e dona de Lampião. Ainda viviam no mesmo mundo, mas era como se aquele mundo não vivesse mais neles.
Rangel Alves da Costa. Pesquisador e Escritor
Conselheiro Cariri Cangaço
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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