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quarta-feira, 15 de maio de 2019

UMBUZEIRO DA BANDIDA E CRUZES DOS SOLDADOS - QUANDO O POVO MITIFICA SEUS HERÓIS

*Rangel Alves da Costa

Dois fatos interessantes envolvendo cangaceiros. O primeiro dizendo respeito à cangaceira Adelaide, morta debaixo de um umbuzeiro na região do povoado Curituba, em Canindé de São Francisco, e enquanto era conduzida em rede após ter perdido a criança que ainda continuava em seu ventre. E o segundo relaciona-se aos soldados Tonho Vicente e Sisi, emboscados e mortos pelo subgrupo de Corisco, nos arredores da Estrada de Curralinho, em Poço Redondo, em ato de vingança pela morte do cangaceiro Pau Ferro.
Pois bem. O local onde Adelaide, cheia de dores e sofrimentos, deu o seu último suspiro, atualmente é conhecido como Umbuzeiro da Bandida, enquanto que ao redor do bonome onde os soldados foram trucidados, que bem poderia ser conhecido como Bonome dos Soldados, o reconhecimento é totalmente diverso daquele considerado com relação a Adelaide.
Ora, estranho que assim aconteça. Pelo nome que atualmente se dá ao local da morte da cangaceira, Adelaide não passava de uma feroz bandida, pois Umbuzeiro da Bandida é a denominação passada de boca em boca. Contudo, há de se conhecer as circunstâncias de sua morte para que se compreenda o exagero na denominação.


Na concepção popular, cangaceiro é bandido mesmo e não há como afastar essa ideia. Há de se considerar, porém, que Adelaide sequer estava no ofício cangaceiro quando suspirou pela última vez. Companheira do cangaceiro Criança, grávida já no último mês de gestação, estava sendo levada numa rede, toda inchada e dolorida, já com o filho morto na barriga, para a Curitiba, vez que as parteiras da Planta do Milho já haviam constatado a morte da criança ainda no ventre materno.
Portanto, Adelaide não morreu combatendo, não morreu no ofício cangaceiro, mas tão somente como uma pobre desvalida e cheia de sofrimentos. Naquela situação, Adelaide não era sequer companheira de cangaceiro senão uma moribunda em seus últimos laivos de vida. E por que, então, aquele local de sua morte, passar a ser conhecido como Umbuzeiro da Bandida?
Tal fato somente acontece quando o povo escolhe e mitifica seus heróis, ainda que não conheça a realidade dos fatos. E a mitificação, divinização ou devotamento, surge exatamente da visão que o povo tem de sua própria realidade. Neste caso, o simples fato de ser cangaceira tornou Adelaide em bandida comum. No caso dos soldados, o fato de serem inocentes e terem tido morte tão cruel, logo faria surgir um sentido de compaixão. Daí o devotamento.
Por serem inocentes e terem sido chacinados por Corisco e seu grupo, os soldados Tonho Vicente e Sisi passaram a ser vistos até como milagreiros. Tanto assim que as Cruzes dos Soldados, debaixo do frondoso bonome, é local de devoção e promessas, com ex-votos sendo avistados aos pés das duas cruzes. Embaixo do umbuzeiro onde Adelaide morreu há também uma cruz e dizem que muitos acorrem ao local para orações. A cruz primeira foi fincada pelos próprios companheiros e para sinalizar o local daquele triste fim, pois o corpo da cangaceira foi enterrado no cemitério de Curituba. A cruz colocada depois certamente foi obra de algum conhecedor dos sofrimentos da filha de Lé Soares da Maranduba.


Mas por que nome tão pejorativo ao local, se ali morreu apenas uma pobre e agonizante mulher, e não uma perigosa bandida como se deixa depreender pela injusta denominação? Como dito, apenas escolha popular. Um povo que mitifica seus heróis segundo desejo próprio e não segundo a realidade dos fatos. Com isto, porém, não se quer dizer que os inocentes soldados mortos não mereçam ser reverenciados e até devotados, mas também se exagera ao adjetivar Adelaide como uma simples bandida. Talvez o nome mais correto fosse Umbuzeiro de Adelaide, ou mesmo Cruz da Cangaceira.
Contudo, lá está, na região da Curitiba, o marco de uma triste realidade vivenciada por uma mulher que, grávida, perdeu sua vida após já ter perdido o seu filho.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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