Por Luis Nassif
Gonzagão em 1947
Xote, Maracatu
e Baião. Mais que a tríade que deu luz ao Nordeste, Gonzagão desenhou uma
cultura, como mostra novo livro de Bené Fonteles.
Rei do Baião?
Mais. Luiz Gonzaga foi além de todos os seus pares ao criar a
estética de um povo que não tinha voz.
Do Estadão –
18/12/2010
José Nêumanne
Saiba que lá
pelos anos 60 do século passado a Música Popular Brasileira, dita MPB, vivia à
mercê da guerra da turma do tamborim contra a patota da guitarra elétrica.
Então, o pernambucano Luiz Gonzaga (homônimo do santo) do Nascimento (sobrenome
inventado para comemorar a proximidade do aniversário dele com o Natal) foi
despejado para o ostracismo total. Aí, emergiu das sombras a ruidosa figura do
roqueiro capixaba Carlos Imperial e propagou a boa nova: “Os Beatles gravaram
Asa Branca.” Era mentira. Mas o “gordo da Corte” havia proferido uma sacada
genial: o mulato da Chapada do Araripe não era um compositor e cantor à altura
de John Lennon e Paul McCartney. Mas, como os fabulosos garotos de Liverpool,
ele tinha fundado uma estética, inaugurado uma cultura. Os quatro cavaleiros do
Império Britânico foram muito além do universo dos rouxinóis e viraram o
Ocidente de pernas para o ar. E o sanfoneiro do Exu inventou a cultura regional
nordestina.
Para esta
constatação chama a atenção um livro que reúne ensaios em prosa, fotos e
xilogravuras encomendados, reunidos e coletados pelo artista plástico, poeta,
compositor e curador de exposições paraense Bené Fonteles: O Rei e o Baião. No
luxuoso e belíssimo volume editado pela Fundação Athos Bulcão, de Brasília, e
financiado pelo Ministério da Cultura, não faltam excelentes textos de autores
do naipe do compositor e cantor baiano Gilberto Gil, da professora cearense
Elba Braga Ramalho, do poeta baiano Antônio Risério. Mas o que há de mais
notável é a parte visual, a cargo do fotógrafo Gustavo Moura e dos
xilogravadores João Pedro do Juazeiro, José Lourenço e Francorli & Carmem.
Todos eles
contribuíram para uma visão multidisciplinar completa do Rei do Baião, que,
morto há 21 anos, ainda é venerado como o símbolo vivo da diáspora nordestina.
Seu cetro se explica de certa forma pela frase-síntese do maior folclorista
brasileiro, o potiguar Luís da Câmara Cascudo: “O sertão é ele”. Mas isto é só
o ponto de partida.
A entronização
de Lua se deve ao fato de ele ter incorporado a cultura rural sertaneja à
indústria cultural urbana. Por isso, dele só se aproxima em importância na
história de nosso cancioneiro a geração de sambistas cariocas dos anos 30, aos
quais se juntou o mineiro Ary Barroso. Como os precursores do maior espetáculo
do mundo – o desfile das escolas de samba do Rio -, Gonzagão inspirou as festas
de São João: ao criar o primeiro trio com sanfona, zabumba e triângulo, ele
instaurou a música regional nordestina, introduziu ao mercado a atividade de
instrumentista e intérprete oriundo do sertão e interferiu na indústria
cultural com nova modalidade.
Quem folheia o
livro compreenderá, pela visão do conjunto da obra, que Gonzaga não virou rei
pelas canções que compôs. Aliás, o uso deste verbo é controverso, pois, na
verdade, mais do que compor ele adaptou temas ouvidos nas brenhas de origem ou
atravessou em parcerias com autores interessados em obter seu aval de sucesso
garantido. Mas, sim, por mercê da sintonia mágica com seus dois talentosos
parceiros iniciais, o advogado cearense Humberto Teixeira e o folclorista
pernambucano Zé Dantas, e da indumentária típica que inventou para se
apresentar: gibão de vaqueiro e chapéu de cangaceiro. E mais ainda pela intuição
genial que demonstrou ao transformar a fortuna melódica do cancioneiro dos
cafundós sertanejos em gêneros musicais e ritmos de dança que, só por causa
dele, encantam e mobilizam o público, além de produzir sucesso e fortuna para
compositores e intérpretes no rádio, depois na televisão e nos salões de festa.
Jackson do Pandeiro, Marinês, Antônio Barros e Cecéu, Genival Lacerda, Flávio
José, Santanna Cantador e outros grandes autores e cantores não teriam exercido
seu talento nem viveriam dos frutos dele se o filho de Januário não houvesse
tirado dos baixos de sua sanfona o baião, o forró, o arrasta-pé.
O livro deixa
isso claro. Pena que tenham sido omitidas informações sobre os autores de
textos, xilogravuras e fotos. O leitor merecia saber quem constatou que Luiz
Gonzaga foi o semideus que criou o Nordeste Musical Brasileiro.
JOSÉ NÊUMANNE
É ESCRITOR, EDITORIALISTA DO JORNAL DA TARDE E CURADOR LITERÁRIO DO INSTITUTO
DO IMAGINÁRIO DO POVO BRASILEIRO
BENÉ FONTELES
O REI E O BAIÃO
Fundação Athos Bulcão
Preço: indefinido
O REI E O BAIÃO
Fundação Athos Bulcão
Preço: indefinido
Trilha sonora
e dádiva no exílio
Do Estadão –
18/12/2010
Juca Ferreira
– ESPECIAL PARA O ESTADO
Luiz Gonzaga,
através da sua música, deu origem a uma das mais significativas representações
da cultura brasileira. Sua música e o baião, sua mais expressiva criação,
revolucionaram o imaginário do povo brasileiro. Um universo ímpar de
significações que alargou as fronteiras da nossa identidade nacional, incluindo
o povo nordestino no imaginário do Brasil.
Há quem diga
que o Nordeste, tal qual o compreendemos, foi uma invenção de Seu Lua. A
grandeza de sua obra fez dele um dos representantes mais ilustres da cultura
brasileira, pelo que dela ele soube traduzir e o que a ela soube, com sua
genialidade, acrescentar.
Ainda jovem,
tornou-se um símbolo do País inteiro. Entre meados das décadas de 1940 e 1950,
o baião foi o estilo musical mais tocado no Brasil. O baião é,
reconhecidamente, tanto quanto o samba, uma expressão brasileira, por
excelência. Em qualquer parte deste planeta. E Luiz Gonzaga, o maior ídolo da
música popular brasileira. Desde então, nunca mais deixou de ser ouvido, tocado
e composto.
Referência e
nostalgia. Quando eu me encontrava exilado, tinha em Luiz Gonzaga a referência
mais viva e contagiante do Brasil. Confesso que ouvir suas canções era um
sentimento perturbador, me descolava da vida na Suécia onde eu havia encontrado
acolhida, era feliz e razoavelmente integrado. Lembranças da minha infância,
saudades do que havia deixado para traz, dor do exílio e banzo. Frequentemente
choramingava solitário de nostalgia.
Luiz Gonzaga
foi uma dádiva para nossa formação cultural em momento de grande expansão
urbana. Gonzaga surgiu para o Brasil no Rio de Janeiro num momento
privilegiado. A indústria do disco e a rede radiofônica já tinham a maturidade
tecnológica e cultural, para entender um talento como o seu, capaz de unir o
país de ponta a ponta, com alto nível de elaboração.
Luiz urbanizou
sua tradição, predominantemente rural e interiorana. Como todo grande artista,
foi capaz de traduzir o seu mundo, universalizando-o; capaz de absorver em seu
processo criativo toda a vivência cultural dos nordestinos e torná-las objeto
de admiração e de afeto para milhões de brasileiros.
O Brasil é um
país tão extenso e tão diverso que precisa ser o tempo todo apresentado a si
mesmo. Foi isso o que Seu Luiz fez, apresentou ao Brasil um Nordeste que o
Brasil desconhecia. Um mundo cheio de novidades, dores e belezas. Poucos terão
cantado tão bem quanto ele e seus parceiros os dramas do povo nordestino; mas,
acima de tudo, foi a alegria de viver do nordestino que ele mais intensamente
nos revelou. Muitos brasileiros aprenderam a amar e respeitar o Nordeste depois
de serem cativados pela rara beleza da voz confiante de Gonzagão, e pelo seu
sorriso, exprimindo uma inabalável alegria de viver.
Gonzaga surgiu
como representante típico da massa cabocla do sertão. Destinado a plantar no
coração da metrópole as sonoridades, os versos e a memória coletiva de um povo
que nunca sonhava em ir para a cidade, e só o fazia quando o seu mundo começava
a se acabar, pelo latifúndio, pela seca e falta de oportunidade. Como o
presidente Lula. Outro ilustre brasileiro oriundo dessa tragédia nordestina.
JUCA FERREIRA
É MINISTRO DE ESTADO DA CULTURA
Fontes:
1) Jornal O
Estado de S. Paulo – Caderno 2 – 18/12/2010
2) IMS –
Acervo de José Ramos Tinhorão e Humberto Franceschi
Músicas:
1) O Xote das
Meninas de Luiz Gonzaga e Zé Dantas
Com Luiz
Gonzaga – 05/02/1953 – RCA Vitor – Álbum 801108
2) Pau de
Arara de Guio de Morais
Com Luiz
Gonzaga – 1952 – RCA Vitor – Álbum 800936
3) Baião
de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira
Com Luiz
Gonzaga – 1949 – RCA Vitor – Álbum 800605
4) Baião
de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira
Com Quatro
Azes e um Coring – 1946 – RCA Vitor – Álbum 13251
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VIA José
Nêumanne
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