Museu
do Cangaço mantido pela Fundação Cabras de Lampião, Serra Talhada (PE) - Foto:
Henrique Rodrigues.
No
terceiro capítulo da reportagem especial sobre os 80 anos do fim do cangaço, o
professor e colaborador da Fórum, Henrique Rodrigues, conversa com pessoas,
entre elas o prefeito de Serra Talhada, que contam mais sobre a história da
cidade de Lampião.
Por Henrique
Rodrigues*
Numa manhã
tórrida assisto a uma apresentação de Xaxado no pátio do Museu do Cangaço de
Serra Talhada, o principal equipamento de preservação da história do movimento
e que é vinculado à Fundação Cabras de Lampião.
Esta é a
terceira parte de uma reportagem especial que será publicada em quatro
capítulos. Confira a primeira aqui e
a segunda parte aqui
O Xaxado é uma
dança criada no cangaço, inicialmente apenas masculina, que era feita pelos
bandos para comemorar vitórias sobre os inimigos. A cidade carrega oficialmente
o título de “Capital do Xaxado”.
O responsável
pelo acervo e pela visitação ao local é o historiador Karl Marx Santos Souza.
Logo de início, peço para que ele dê uma definição sucinta do que foi o
cangaço, já que tanta gente tenta explicar o fenômeno e acaba se embaralhando.
“O cangaço foi
um movimento social, mas não se enquadra num movimento político. Não tinha essa
intenção. Ele foi um resultado direto de tudo de ruim que existia no sertão
naquele momento histórico, como a ausência do Estado, a desigualdade brutal e a
miséria. Dessa equação, surge o cangaço. Eu sempre digo que o coronelismo é o
pai, ou a mãe, do cangaço.”
Karl também
ressalta que o cangaço não começou com Lampião:
“O cangaço já
existia desde o século XIX, ele não surge com Lampião. Porém, sem dúvida foi
Lampião quem tornou esse movimento muito mais organizado e hierarquizado, dando
um caráter mais abrangente ao fenômeno social.”
Grupo de
Xaxado da Fundação Cabras de Lampião – Foto: Henrique Rodrigues
De acordo com
o historiador, como o cangaço teve uma forte repercussão nacional, as
autoridades acabaram por dar certa atenção à região do semiárido. A guerra
travada entre os bandos acabou resultando numa melhora da infraestrutura local
da época.
“Curiosamente,
se é que podemos dizer assim, foi o cangaço que acabou por trazer aos sertões
alguns traços de desenvolvimento, como o telégrafo, a iluminação pública e as
estradas, porque os bandos de cangaceiros pintavam e bordavam com as forças
policiais e então era necessário trazer uma infraestrutura para região, com o
intuito de facilitar a ação de combate por parte do Estado”, explica.
Justamente
sobre esse combate, peço para que Karl explique o papel do regime ditatorial de
Getúlio Vargas na extinção dos conflitos gerados pelos cangaceiros.
“O Estado
Novo, conduzido por Getúlio Vargas, foi decisivo para aniquilar o cangaço. Ele
determinou que todos os focos de conflito no território brasileiro deveriam ser
sufocados, para garantir um ambiente de paz, quando na realidade o que Getúlio
desejava era o controle absoluto de tudo”, conta.
Ainda no
âmbito da violência no sertão, falo sobre a onda da imprensa do Sudeste de
classificar como ‘Novo Cangaço’ as ações do crime organizado, ao explodirem
agências bancárias e tomarem cidades inteiras com reféns em vários Estados.
Karl discorda da nomenclatura e cita nominalmente as diferenças entre as duas
coisas.
“Não dá pra
traçar uma analogia entre o cangaço e essas ações empreendidas hoje por bandos
fortemente armados ligados ao crime organizado, que vêm aterrorizando cidades
do sertão. Exceto por uma coincidência geográfica, parece-me que uma coisa não
tem nada a ver com a outra, diferentemente do que a imprensa vem tentando
emplacar ao afirmar isso. Claro que razões sociais estavam por trás do cangaço,
assim como também estão por trás do crime organizado moderno, mas as situações
históricas, lá atrás e agora, são completamente diferentes.”
Como é chefiar
a cidade de Lampião?
Luciano Duque
(PT) inicia o último ano de seu segundo mandato frente à prefeitura de Serra
Talhada. Ele também já foi vice-prefeito por oito anos e vereador. O chefe do
Executivo municipal fala sem constrangimentos a respeito de comandar a cidade
que carrega o peso de ser a terra natal de Lampião, ressalta que para muita
gente esse passado ainda é visto como um estigma, mas se queixa do fato desse
tratamento não ser dado a todas as cidades que têm relação com o cangaço:
“Há um
preconceito muito grande ainda. São fatos que dividem a sociedade e não se pode
negar que Lampião é a figura mais conhecida de Serra Talhada. No entanto, se
você vai a Xingó (Piranhas), a Fortaleza, a Aracajú, ou Natal, percebe que isso
não ocorre por lá. A figura de Lampião é uma fonte de renda, é uma narrativa, e
tudo bem”, pontua.
É perceptível
que a cidade de Serra Talhada explora a figura do lendário cangaceiro, mas o
fato gera controvérsias no meio político. Investir em Lampião às vezes provoca
desavenças, explica o prefeito.
“Quando
investimos nesse setor somos acusados de incitar a violência… Veja você, somos
acusados justamente por essa direita violenta que emergiu no país. Falam que
cultuamos Lampião. Sem contar o fato de que ainda muita gente nos critica por
terem muito vivo na memória esses episódios do cangaço, por terem internalizado
aquilo que ouvem de suas famílias. Não ocorre como em Juazeiro do Norte, com
Padre Cícero, que na História também é uma figura muito polêmica, visto que foi
parte de uma aliança entre cangaceiros, elites e a religião”, afirma.
O prefeito
afirma também que se sente isolado nas outras esferas de poder quando o assunto
é preservar a história do cangaço e de Lampião. O governo do Estado, que tem
papel central na Cultura, não auxilia em nada, segundo ele.
“O governo do
Estado de Pernambuco até investe em ações culturais que eventualmente possam
mencionar o cangaço e Lampião, mas especificamente sobre o assunto ele sempre
deu as costas. E isso não é uma coisa nova, não! Só mesmo no governo Jarbas
Vasconcelos (1999-2006) é que houve uma iniciativa, com o Roteiro do Cangaço,
mas para empreender nesse setor é necessário uma parceria com o Sebrae e acabou
que ficou tudo no campo das ideias.”
Sobre a
economia da cidade, Luciano Duque também esclarece que o município não pode
ficar refém da figura de Lampião e que há outras fontes de renda que vêm sendo
desenvolvidas.
“O que nós
temos é uma vocação econômica comercial, de serviços. Somos um polo de saúde e
de educação em toda a região. Nosso PIB dobrou de 2013 para cá e já somos o 2°
maior PIB do seminário de Pernambuco, atrás apenas de Petrolina, que é uma
cidade quatro vezes maior e que conta com a proximidade com o Rio São
Francisco”, declara.
O secretário
de Desenvolvimento e Turismo, Marcos Oliveira, que participa da entrevista,
endossa as palavras do prefeito, confirma que Serra Talhada explora a figura do
Rei do Cangaço, mas frisa que outros caminhos têm sido trilhados para a
economia turística local.
“Sim, explora.
E eu acho que deveria até explorar mais. Lampião é a figura mais conhecida de nossa
cidade e isso deve ser explorado, o que não significa que não tenhamos que
buscar uma diversificação econômica, criando novas fontes de renda, como o
turismo ecológico e de negócios. Aliás, essa é nossa prioridade agora.”
Pergunto, sem
rodeios, se a figura de Lampião é rentável. O secretário responde sem titubear.
“Dá pra dizer
que a figura dele é rentável, é óbvio. Você pega um espetáculo como o ‘Massacre
do Angico’, encenado pelo pessoal da Fundação (Cabras de Lampião)… Aquilo junta
cinco mil pessoas por noite de apresentação, gente de todo o Brasil.”
Finalizo a
entrevista com o prefeito Luciano Duque pedindo para que ele diga se há alguma
semelhança entre aquela Serra Talhada dos tempos em que bandos de cangaceiros
vagavam pela região e a Serra Talhada de sua gestão.
“Não. É
totalmente diferente. O que eu posso dizer é que até uns 40 anos atrás parte
das pessoas ainda reproduzia a violência vista no cangaço. Mas agora temos
novas gerações, foram décadas de educação. Conseguimos produzir massa cinzenta,
por meio da educação. Nos últimos anos, nos governos Lula e Dilma, por exemplo,
recebemos as instituições federais de ensino. As coisas mudaram completamente.”
*Henrique
Rodrigues é professor de Literatura Brasileira e jornalista
Esta é a
terceira parte de uma reportagem especial que será publicada em quatro
capítulos. Confira a primeira aqui e
a segunda parte aqui
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