*Rangel Alves da Costa
De vez em quando, as noites se mostram chuvosas no sertão sergipano. Pouca chuva, mas alguma chuva, e fato sempre desejado pelo sertanejo. Qualquer pingo d’água é tido como dádiva sagrada.
Chuvas inconstantes, em verdade, mas caindo em pingos grossos de quando em vez. Também não de forma generalizada, mas apenas aqui e acolá, enchendo uma ou outra barragem. O alento, contudo, uma esperança boa no coração sertanejo.
Ao alvorecer tudo ainda está molhado, chuviscando de vez em quando. O tempo mais frio, mais preguiçoso, com pessoas recolhidas aos seus lares até um pouco mais tarde. Dormem um pouco mais, demoram-se mais para irem à luta.
Como costuma acontecer, chuvisco ao anoitecer e amanhecer são apenas ocasionais no sertão. O sol sempre bate à porta após o amanhecer. E chega volumoso, já aquecido, já ameaçador para o homem, mas principalmente para a terra e o bicho.
Dessa vez, contudo, a clareira não foi aberta. O dia amanheceu entre o chuvisco e o nublado. Quando o chuviscamento cessou o véu das nuvens continuou. Nada de sair o sol e de tempo aberto. Dessa vez, o sol esquecido de aparecer.
No sertão, o tempo nublado, como que nevoento, como que mais escurecido, acaba produzindo um retrato de mais singela poesia. Poesia escrita no ar, tracejada nas nuvens, versejante pelos arredores e horizontes. Nada parece existir de verdade, senão aquela plangência leve e lenta pelo ar.
Um tempo esmaecido, outonal, de cores ocres, ainda que não seja na estação da revoada das flores e folhas. Um retrato acinzentado, tingido na cor de uma leve melancolia. Sim, as cores do tempo chamam a outras visões sobre o instante.
Pelas estradas, onde as craibeiras já florescem seus reluzentes dourados, o esmaecimento do dia junto ao amarelado acaba produzindo paisagens saudades, ternas e entristecidas. Tudo muito belo, mas de uma beleza de versos tristes.
Os pássaros chegam em voo lento, sem cantigas ou madrigais. Os ninhos não piam como de costume. Os bichos do mato permanecem em suas tocas, os calangos sobem nas pedras tentando avistar uma nesga de sol. As estradas nuas, as ruas nuas, um quase silêncio.
No mundo acostumado pelo sol escaldante, pela luz encalorada por todo lugar, olhar para as distâncias e tudo avistar noutro semblante, certamente que causa estranheza na alma. E que se imagine o dia inteiro assim. Dia que se prolonga na sonolência e na pausa de tudo.
Como dito, desde a primeira alva do dia - e assim pelo dia inteiro - apenas o tempo nublado por todo o sertão. Os matos parecendo inertes, os bichos mais recolhidos, as pessoas mais silenciosas, tudo mais entorpecido.
E em muitas pessoas a propensão às saudades, às melancias, às nostalgias, às saudades. Ora, sem dúvida que paisagens se mostram tão aflitivas que acabam escavando no mais profundo do baú das recordações. Abrir as janelas sem sol, sem queimores e esvoaçamento, é chamar para si as saudades.
E aquela brisa mansa chegando e passando. A leve ventania cantando e indo embora. As portas fechadas, as janelas fechadas, ruas de poucas pessoas que apenas passam, e quase sem alegria. Apenas o nublado em tudo. Mas um menino corre atrás de uma bola. Aquela falta de sol lhe anima.
Certamente que muitos ficam desejosos que as nuvens acima logo se transformem em chuvaradas. Templo nublado é sempre esperançoso, é sempre uma promessa de a qualquer instante a chuvarada cair. Olhares se voltam ao alto. De vez em quando uma mão lança mão de um rosário. A prece esperançosa de chuva.
Uma aflição terrível também. O sertanejo logo começa a sonhar, a planejar, a querer que a chuva logo aconteça. Na chuva sua vida, sua sobrevivência, sua existência. E não só o homem, pois a terra também se remexe em suas entranhas e pede. E implora que chova logo.
Pelos rincões mais adiante, nas vastidões sertanejas, o mesmo semblante esmaecido. Por onde os olhos avistam e os passos imaginam chegar, o mesmo quadro anuviado. Nem faz sol nem chove, não cai pingo d’água nem o braseiro toma logo conta de tudo. Apenas as promessas das nuvens em pêndulo agonizante.
Pelas estradas além, e até nas lonjuras, a mesma paisagem, a mesma cor, a mesma situação. Talvez o sertão inteiro assim, nublado, anuviado. Nos percursos, trilhando as margens com suas casinholas, suas matarias, seus bichos e seus habitantes, sempre a mesma poesia enternecida.
No sertão, um tempo assim não se pode definir de outra forma senão através do poético. Uma poesia mista de alegria e tristeza. Alegria sim, pois porta aberta para a chegada da chuva. Porém, de tristeza também.
Uma tristeza diferente, sem dor, sem agonia, sem aflição. Uma tristeza de saudade, apenas. Mas não saudade de pessoa, daqueles que deram adeus ou de qualquer outra situação de partida. Apenas a tristeza saudosa trazida pelo olhar perante a paisagem nublada.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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