Se o cangaço Lampiônico tem essa notória infinidade de amantes faço saber aos
amigos que está se revitalizando e conquistando novos adeptos o Movimento
dos "Jesuinistas" através do empenho do Dr Epitácio
Andrade.
Vamos conferir uma de suas entrevistas concedida a Gilberto Cardoso dos
Santos. O pesquisador relata os detalhes dos seus projetos e sobre a
produção literária, musical, teatral, e audiovisual a respeito do cangaceiro
Potiguar.
Dr. Epitácio! Fale-nos sobre sua pessoa, profissão e trabalhos que tem
desenvolvido.
- Sou médico psiquiatra por formação. Pertenço ao quadro de saúde da Polícia
Militar e do Hospital Psiquiátrico Dr. João Machado, em Natal, onde resido. Trabalho
em várias cidades do estado. Nasci em Catolé do Rocha/PB, “a praça de guerra”,
como chama o conterrâneo Chico César, e fui criado no Patu, no médio-oeste
potiguar, terra natal de Jesuíno Brilhante.
Desde quando surgiu seu interesse pelo fenômeno do cangaço e o que o motivou a
estudar o tema com tanto empenho?
- Herdei o meu nome do meu pai Epitácio Andrade, ex-prefeito de Patu, que foi aluno do Professor Raimundo Nonato, no Colégio Diocesano de Mossoró. Doutor Raimundo Nonato é o autor de “Jesuíno Brilhante, o cangaceiro romântico”, sendo, portanto, o principal biógrafo de Jesuíno. Na minha infância, os meus pais recebiam e acolhiam o Professor Nonato em nossa residência em Patu, quando ele vinha pesquisar no acervo da casa paroquial. Talvez por meu nome significar “ofício de estado”, sentia-me na obrigação de acompanhá-lo em suas investigações. Posteriormente, passei a entender o resgate da nordestinidade como um ofício de Estado.
Fale-nos, em linhas gerais, sobre a figura do cangaceiro Jesuíno Brilhante e sobre o que mais chama sua atenção na pessoa dele.
- Jesuíno Alves de Melo Calado, “Jesuíno Brilhante”, apelido para homenagear um
tio, nasceu no Sítio Tuiuiú, na zona rural de Patu, no Oeste do Rio Grande do
Norte, em 2 de janeiro de 1844, e morreu na Comunidade rural Santo Antônio, em
São José de Brejo do Cruz, na fronteira paraibana, em dezembro de 1879. A sua
capacidade de transformar a tragédia cotidiana sertaneja em questão política,
acredito ser sua característica mais louvável.
Há alguma associação entre seus estudos na área da psiquiatria e o tema do
cangaço? Do ponto de vista psiquiátrico, poder-se-ia dizer que Jesuíno
Brilhante, mesmo tendo vivido uma vida tão fora do comum, fosse uma pessoa
normal?
- A violência é o principal fator estressogênico na sociedade contemporânea.
Estudar os seus determinantes sociais ajuda a compreender o sofrimento psíquico
das pessoas. No “Banquete dos Signos”, o poeta de Brejo do Cruz diz
assim: “Discutir o cangaço com liberdade é saber da viola, da violência...”,
fazendo-nos acreditar que compreendendo conflitos familiares e outros
determinantes do cangaço, poderemos elaborar mecanismos de superação da
violência humana, com arte, com poesia, com música. Jesuíno era um sertanejo
comum até ser vítima da violência, quando partiu para o cangaço. Neste caso é
preciso parafrasear outro poeta: “De perto, ninguém é normal”.
Seus estudos são direcionados exclusivamente à saga de Jesuíno brilhante ou
outros personagens e fatos relativos ao cangaço entram em pauta?
- Entrei para a Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço a convite de
Kydelmir Dantas, em 2005, quando apresentei a tese: “A Importância
Histórico-social do Cangaço de Jesuíno Brilhante”, defendida numa sessão
de estudiosos do cangaço, no museu Lauro da Escóssia, em Mossoró. Realizei
pesquisa etnográfica sobre o cangaceiro Liberato Cavalcanti de Carvalho
Nóbrega, contemporâneo de Jesuíno Brilhante, inspirando o Poeta Gil Hollanda a
compor o cordel “O delegado que virou cangaceiro”. Produzi, em parceria
com o Coronel PM/RN Ângelo Mário de Azevedo Dantas, o artigo: “O Fogo da
Caiçara – Início da Resistência ao Bando de Lampião no Rio Grande do Norte”. No
momento, estou empenhado na viabilização de lugares de memória do cangaço, uma
consequência direta da aprovação da dissertação de mestrado da Professora Lúcia
Souza, de quem fui coorientador.
Do ponto de vista psiquiátrico, como analisa o desejo de justiça e vingança inerente ao ser humano que busca fazer justiça com as próprias mãos?
- A prática da vingança é a realização da justiça com as próprias mãos, que
consiste na persistência de impulsos heterocidas primitivos do animal humano.
Do ponto de vista social, é a manutenção da lei do Talião: “Dente por dente,
olho por olho”. É a contramão dos caminhos civilizatórios.
Trace um quadro comparativo entre Jesuíno Brilhante e Lampião.
- Estou formulando um projeto de pesquisa que procura contextualizar a história
das principais lideranças do cangaço (Jesuíno Brilhante, Antônio Silvino,
Lampião e Corisco) com a evolução do diagnóstico da personalidade psicopática.
Estou com 45 anos e acredito que levarei até o resto da vida pra concluí-lo, se
chegar a concluir. Este projeto permitiria desenvolver, como técnica de
investigação científica, uma espécie de “necrópsia psiquiátrica”. Como tenho
consciência que esta não é uma tarefa para uma pessoa só, estou recebendo o
suporte teórico de autoridades do campo psiquiátrico e contatando Psicólogos
para ingressarem no projeto; e vou solicitar a colega Psiquiatra Suzana
Brilhante, da descendência de Jesuíno, uma colaboração para esta formulação
científica. Utilizo este comentário para justificar a dimensão da complexidade
da resposta a sua pergunta. Se fosse realmente traçar um paralelo entre Jesuíno
e Lampião, apresentaria inferências históricas, não conseguiria, no estado
atual do conhecimento científico, descrever, fidedignamente, suas
personalidades.
O que, de seu conhecimento, já se produziu em termos de literatura culta ou
popular e arte cinematográfica sobre a pessoa de Jesuíno Brilhante? Que
trabalhos destacaria?
- Podemos dividir a produção literária sobre o cangaço de Jesuíno Brilhante em
autores memorialistas, como Raimundo Nonato, José Gregório, Alicio Barreto,
Frederico Pernambucano de Mello e Luiz da Câmara Cascudo, que fica na transição
com os ficcionistas, como Rodolfo Teófilo e Gustavo Barroso. O menestrel Ariano
Suassuna dedicou seu romance “A Pedra do Reino” a Jesuíno Brilhante. A
literatura de cordel é extremamente significativa para a memória do cangaço,
sendo cordelistas importantes: Rodrigues de Carvalho, autor do “ABC de
Jesuíno”, Gil Holanda, Luiz Antônio de Malta e Zé de Alzerina. O comunicador
Miguel Câmara Rocha editou dois números da Revista “Roteiros de Patu”, que
narra o conflito dos brilhantes com os limões, com base no livro “Solos de
Avena” de Alício Barreto, editado em 1905. O filme “Jesuíno, o cangaceiro”,
do Cineasta ipanguaçuense William Cobbet, produzido em 1972, reveste-se de
importância cultural para o Rio Grande do Norte por ter sido o primeiro,
integralmente, rodado no estado e o trânsito dos atores, durante as filmagens
em Natal, ter originado o nome da “Praia dos Artistas”. Destacaria
duas produções culturais sobre o cangaço de Jesuíno: O espetáculo teatral “O
Auto de Jesuíno”, do Dramaturgo Ricardo Veriano, editado no período de 2001 a
2008, durante a feira da cultura de Patu, e “Jesuíno Brilhante em História de
Quadrinhos”, de Emanoel Amaral e Alcides Sales.
Acha que se tem dado a devida importância à preservação da memória de Jesuíno ou o Rio Grande do Norte peca nesse aspecto?
- Não conheço iniciativas de governo voltadas para o desenvolvimento da memória
do cangaço de Jesuíno Brilhante. Só conheço ações independentes, construídas
com muitas dificuldades e, praticamente, sem apoio.
Qual a importância de se batalhar para manter viva a memória de uma pessoa com
o perfil de Jesuíno Brilhante; seria apenas um hobby ou muito mais que isso?
- O desenvolvimento da memória do cangaço de Jesuíno permite o alargamento da
compreensão de nossa história, da história do Sertão, do Brasil e dos fenômenos
sociais, ampliando nossos horizontes culturais, favorecendo a criação de
alternativas de desenvolvimento sustentável para uma das regiões mais pobres do
mundo. Como também, possibilita a superação de ideias e comportamentos
preconceituosos, melhorando a consciência política do povo, ajudando a formar
massa crítica.
Que projetos tem em mente relativos à preservação da memória de Jesuíno
Brilhante?
- Estou empenhado na viabilização de lugares de memória do cangaço, em dois
epicentros principais: o município de Patu, lugar de nascimento de Jesuíno
Brilhante, onde defendemos a criação de uma reserva ambiental que englobe o
conjunto de serras do município, possibilitando a preservação das cavernas que
o cangaceiro utilizava como esconderijo e desenvolvimento do turismo ecológico,
adsorvendo-se ao turismo centrado no Santuário do Lima; e o outro epicentro é o
município de São José de Brejo do Cruz, na Paraíba, lugar da morte do
cangaceiro, onde defendemos a implantação de um parque temático do cangaço.
Fora destas articulações políticas, estou ultimando a feitura do livro “A
Saga dos Limões – Negritude no Enfrentamento ao Cangaceiro Jesuíno Brilhante”
O que se conseguiu resgatar dos objetos pessoais de Jesuíno e onde esse
material pode ser visto?
- Recentemente, eu e Ricardo Veriano descobrimos uma relíquia que pode ter
pertencido ao cangaceiro brilhante. No próximo dia 29 de abril de 2011, em
Currais, numa pousada rural, estaremos apresentando o punhal de Jesuíno e
estimulando um debate com estudiosos do cangaço para testar a autenticidade da
descoberta. Na casa da cultura de Campo Grande/RN, encontram-se a moringa e a
garrucha. No museu Lauro da Escóssia, em Mossoró/RN, está o bacamarte “Bargado”.
E em Martins/RN, encontra-se o bacamarte de cano curto, pertencente ao acervo
do autodidata Júnior Marcelino.
Fale-nos sobre o documentário que produziu sobre o local da morte do cangaceiro.
- Em 2005, produzi o Documentário: “O lugar da Morte de Jesuíno Brilhante”,
que apesar das limitações técnicas subsidiou o projeto, que resultou na
dissertação de mestrado da Professora Lúcia Souza. O roteiro da produção é
centrado no depoimento do cidadão centenário Mário Valdemar Saraiva Leão,
fundador da cidade de São José de Brejo do Cruz, que apontou em visita a
localidade, chamada “Serrote da Tropa”, na comunidade rural Santo Antônio, como
o lugar mais provável da morte de Jesuíno, ratificando as informações dos
memorialistas. O documentário tem a participação do cancioneiro octogenário
Chico Mota e do repentista Zé de Alzerina, conterrâneo do Sítio Tuiuiú. Uma
dupla de descendentes de Jesuíno Brilhante entoa a música de domínio
popular “Corujinha”, que era cantada por Jesuíno e seu bando. Ao som de
grupos culturais do município, a benzedeira Francisca de Mica encenou um
fechamento coletivo de corpos, tradição ritualística dos tempos do cangaço de
Jesuíno Brilhante.
Conte-nos fatos relativos à vida de Jesuíno que fazem parte do imaginário popular mas não têm qualquer base histórica.
- O Professor Raimundo Nonato procurava, insistentemente, alguma certidão de
casamento que constasse o nome de Jesuíno Brilhante como padrinho. Nunca
conseguiu encontrar. Porém, na história oral do cangaceiro romântico constam
inúmeras referências que ele reparava a honra de moças pobres seviciadas pelos
filhos dos ricos fazendeiros da região, no seu processo de iniciação sexual,
forçando-lhes o casamento. Os apologistas de Jesuíno afirmam que isso ocorria
por uma questão puramente ética, que estava relacionada a moral inabalável de
Jesuíno. Nossos dados apontam para a determinação econômica da ação do
cangaceiro, ou seja, forçando o casamento não-programado, Jesuíno introduzia
novos atores sociais na divisão da terra.
Para o senhor Jesuíno deve figurar como herói ou bandido? Por quê?
- Tem-se que contextualizar, historicamente, as ações cangaceiras de Jesuíno.
Não devemos fixá-lo num ponto dessa polaridade herói-bandido. A palavra, que
julgo mais adequada para a resposta é do antropólogo Roberto da Mata,
relativizar.
Como diferencia o fenômeno do cangaço das gangues que controlam certas regiões
pobres do Brasil?
- O cangaço é um fenômeno geo-histórico, que ocorreu da segunda metade do
século XIX ao início da década de 40 do século XX, principalmente nas áreas
rurícolas do Sertão do Nordeste Brasileiro. A alta delinquência é um fenômeno
da contemporaneidade, que se espalhar nas grandes cidades, sobretudo, no espaço
suburbano. No cangaço não havia intenções de tomada do poder político,
simplesmente porque o líder cangaceiro era a incorporação do poder absoluto. Na
marginalidade organizada, não há intenções de tomada de poder pela total ausência
de um referencial ideológico. Poderíamos pensar várias outras diferenças.
Qual o papel e importância da leitura em sua vida, como se deu sua entrada no
mundo dos livros e que autores o influenciaram?
- Comecei a ler influenciado por minha mãe Lourdinha Holanda e pela Professora
Raimunda Cleonice Dantas, Dona Nice. Na infância, recebi a influência de
Monteiro Lobato. Na adolescência, do médico Ernesto Che Guevara. Para
desenvolver os estudos sobre Jesuíno Brilhante, a principal influência, foi,
sem dúvidas, do Professor Raimundo Nonato. Já na fase adulta, percebo a
influência de Euclides da Cunha, Josué de Castro e do Escritor peruano Mário
Vargas Llosa. Quanto ao papel e a importância da leitura, não consigo
identificar outro caminho que possa mais contribuir com a busca pela plenitude
humana, que não seja o caminho das letras. Por outro lado, Seu João de Artur,
que comanda um grupo folclórico e afirma que “a diversão é necessária”, diz
que o homem deve ser “ou bem lido, ou bem corrido”.
Cite algum pensamento, trecho de livro ou poesia que aprecia muito.
Gilberto
Cardoso dos Santos – Professor, Cronista e Poeta – Um dos fundadores da
Associação Potiguar de Escritores de Cordel.
Pescado em polapinto.blogspot.com
E eu repesquei no blog do Kiko Monteiro Lampião Aceso - http://lampiaoaceso.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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