Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros
“Fala-se muito, conversa-se muita, faz-se até algum farol, mas realmente nada existe.”
O que está escrito acima foi publicado no extinto jornal natalense “O POTI”, na edição de terça-feira, 26 de abril de 1955, há quase 70 anos. Abaixo trago esse texto na íntegra.
“Se o Rio Grande do Norte fosse um Estado que realmente cultuasse as datas que lhe são preciosas, o próximo dia 12 de maio seria um dia de reverência, pois lembra um dos fatos mais significativos da metade do século XX – A primeira travessia do Atlântico Sul por avião. Que foi realizada na noite de 12 de maio de 1930 por Jean Mermoz, pilotando um pequeno hidroavião Laté 28, sendo acompanhado nessa travessia por Jean Dabry e Leopold Gimié.
Os que não têm a memória muito falha e que estão hoje com mais de 45 anos de idade ainda devem recordar-se dessas figuras simpáticas de pioneiros e heróis a atravessar as ruas de Natal, convivendo conosco e construindo, o que foi durante vários anos a famosa “Linha” do Atlântico Sul, feita pelos aviões da antiga Latécoère. O voo foi feito em vinte horas, sendo batido um recorde para a época e o seu êxito determinou o estabelecimento definitivo das linhas transcontinentais para a América do Sul.
Não existe em Natal, até hoje, uma rua com o nome de Jean Mermoz e dentro de mais algum tempo, nada haverá para rememorar entre nós, acontecimento tão significativo. Somos, porém, assim mesmo. Temos um Arquivo Público criado no papel, que nada arquiva até agora. Não temos uma só biblioteca que se preze, e se os jornais não mantiverem as suas coleções, nada ficará no futuro para as gerações vindouras.
No período da guerra aqui viveram mais de 15.000 americanos durante quase cinco anos e só no cemitério do Alecrim, foram sepultados quase 200 soldados e oficiais tombados no cumprimento do dever. O que é que existe hoje para assinalar esses acontecimentos históricos? Falou-se durante algum tempo, que no cemitério seria erguido um monumento simbólico com os nomes de todos os que foram aqui sepultados. Tudo ficou no esquecimento, e como os jornais eram impedidos pela censura de divulgar esses acontecimentos devido aos tempos de guerra, nada existirá que lembre isso no futuro.
O saudoso presidente Roosevelt aqui se encontrou com o presidente do Brasil em uma entrevista histórica. Existe algum marco, algum símbolo, alguma lápide que relembre esse acontecimento, ao menos no local em que houve o encontro histórico? Nada, absolutamente, nada.
A participação de Natal durante a guerra, que foi das mais significativas, será no futuro um acontecimento para o qual não existem dados históricos e nem documentos comprobatórios. É que aqui não existe funcionando um órgão que realmente cuide dessas coisas. Fala-se muito, conversa-se muita, faz-se até algum farol, mas realmente nada existe.
O governo de Mussolini mandou para aqui, como presente uma coluna romana para assinalar a passagem de Ítalo Balbo em Natal e a travessia de Ferrarin e Del Prete. Se não houvessem feito isso, nada hoje lembraria esse acontecimento.
Os americanos tiveram uma participação muito mais ativa em nossa vida e deles só resta a lembrança nas obras que deixaram.”
Mas então, o que mudou em nossa cidade em relação ao que está descrito em 1955?
Acho que o fato de existir hoje em dia ruas como as Sachet, Mermoz, Maryse Batie e até um colégio chamado Jean Mermoz e outro Winston Churchill são situações interessantes, positivas, que merecem os elogios de quem deu as ideias e as criou. Mas que na prática, na ideia de se criar uma verdadeira memória, é muito pouco!
Essas histórias estão ficando em um passado cada vez mais distante, pois abrangem um período que vai de 1922 (A chegada do “Libélula de Aço, a primeira aeronave a sobrevoar o Rio Grande do Norte) até 1947 (quando os últimos americanos partiram de Natal), o que facilmente ajudará no seu total esquecimento.
E para os poucos que querem estudar e registrar algo sobre esses momentos históricos, as fontes estão cada vez mais limitadas. De forma natural, quase todos aqueles que testemunharam esses interessantes episódios já partiram. Some a isso o fato das coleções dos jornais que o texto de 1955 comenta, estão interditados, quase sem acesso e eu não sei o porquê….
Mas o texto publicado em “O POTI” de 1955, mostrava que já naquela época a situação era complicada. Imaginem agora!
E é importante que se registre que a preservação dessa memória histórica deveria ser pautada pela democratização dessas informações, se não fica como está hoje em dia – Restrita a uma bolha bem elitizada, formada de pessoas que pouco ou nada leram sobre esses temas, mas que se arvoram de “grandes conhecedores”, de “doutores da história”. No final das contas essa gente tem é muita conversa fiada.
Até mesmo alguns políticos, que tem nos meios mais elitizados de Natal grande parte de suas bases eleitorais, andaram criando momentos públicos para “debaterem a sério” o que fazer com esse patrimônio, com essa informação histórica. Na prática esses tais momentos renderem absolutamente nada!
E, em minha opinião, o que temos hoje para mostrar ou é subutilizado, ou é limitado para o que foi destinado. E esse patrimônio, essa informação, poderia gerar muitos dividendos para o turismo histórico de Natal, pois os fatos ligados a história da aviação clássica e da II Guerra em nossa cidade são únicos na América do Sul. Mas quem se importa de verdade com isso?
Espero e gostaria sinceramente que essa situação mudasse. Mas não tenho mais esperanças.
https://tokdehistoria.com.br/2024/08/09/o-que-mudou-em-quase-70-anos-sobre-a-preservacao-da-historia-e-da-memoria-do-periodo-da-aviacao-classica-e-da-ii-guerra-em-natal/
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