Por Geraldo Maia do Nascimento
Notícias recentes da imprensa local dão conta que o estado do Rio Grande do Norte assinou um protocolo de intenções com a China para exportação de jumentos para o mercado asiático, na ordem de 300 mil animais por ano. Apesar de tratar-se apenas de um protocolo de intenção, a transação é dada como certa.
Desde os tempos bíblicos, os jumentos são um dos mais importantes instrumentos do homem na agricultura e no transporte. Entre o povo hebreu era considerado rico aquele que tivesse a maior criação de jumentos. E mesmo aqui, no Nordeste brasileiro, o jumento ou jegue, como também é conhecido, foi uma das espécies que mais prestou serviços no campo. Mas hoje, a espécie anda desprezada, abandonada pelas rodovias, sem nenhum valor comercial.
Meditando sobre essa notícia, lembrei-me de um texto lido em um velho jornal da cidade que falava do primeiro jumento que chegou a Mossoró, e da reação do povo diante do estranho animal.
Consta que no século XIX era proprietário de um vasto terreno na Quixaba, Manoel João da Silveira que, segundo a tradição, todos os anos, pelo mês de Santana (julho) só de potros em sua fazenda, nasciam mais de cem. Como tinha em suas terras um vasto carnaubal, tornou-se também fabricante de velas de cera de carnaúba, que na época eram muito usadas. Anualmente viajava para o Piauí onde vendia suas velas e voltava com suas bestas carregadas de rapadura, açúcar, etc.
Em 1829, numa dessas suas viagens ao Piauí, trouxe na volta além das bestas carregadas, um grande e bonito jumento que comprara por cinco patacas a um fazendeiro piauiense. O animal causou admiração e espanto aos parentes e vizinhos que vinham visitá-lo.
Em 1829, numa dessas suas viagens ao Piauí, trouxe na volta além das bestas carregadas, um grande e bonito jumento que comprara por cinco patacas a um fazendeiro piauiense. O animal causou admiração e espanto aos parentes e vizinhos que vinham visitá-lo.
No dia da chegada, já ao entardecer, o jumento colocado num cercado. Talvez saudoso da sua terra natal, o animal passou a noite relinchando. No dia seguinte, a vizinhança em peso recorreu ao fazendeiro para saber que bicho era aquele que não tinha deixado ninguém dormir na redondeza. E a estória do jumento espalhou-se, tornando a propriedade da Quixaba um ponto turístico da ribeira do Mossoró. Pessoas que moravam a mais de dez léguas de distância apareceram para conhecer o animal, impulsionados pela curiosidade. E muitos só se retiravam depois de ouvir o grito do jumento, como diziam. Com o tempo a vizinhança perdeu o medo do animal, que já o viam com naturalidade.
Um fato curioso é que por essa época existia na região um boêmio, Casimiro Carlos da Silveira, tocador de rebeca, que regressando altas horas da noite de um baile, ouve, de repente, o relincho do jumento. O pavor foi tão grande que o rabequeiro jogou o seu instrumento pro lado e subiu rapidamente em uma carnaubeira, ficando ali o resto da noite. Já no outro dia as pessoas que passaram no local se depararam com a cena e convenceram o boêmio a descer já que o animal que tanto o amedrontara com o seu relincho não causava mal a ninguém.
E foi dessa maneira, entre admirados e assombrados, que os moradores da ribeira do Mossoró tomaram contato como o primeiro exemplar da espécie asinina. Podemos dizer, portanto, que esse jumento de propriedade de Manoel João da Silveira foi o avô de todos os jumentos que existem hoje aqui em Mossoró.
A espécie, em período passado, já havia sofrido duros golpes. Em 1954, milhares de jumentos nordestinos foram sacrificados para a fabricação de vacina antirrábica. Houve protestos. O jumento também sofreu uma redução de seu rebanho entre 1967 e 1981 de 75% (segundo dados da Embrapa).
Nos anos 80, o jumento nordestino voltou a correr risco de extinção, com o abate indiscriminado feito pelos frigoríficos, motivando uma nova série de manifestações. Os matadouros clandestinos realizam abates indiscriminados com a finalidade de exportar sua carne para o preparo de rações para animais de estimação. Grande parte da carne de jumento brasileira era exportada para o Japão. E agora mais uma ameaça ronda o nosso jegue com esse protocolo de intenção assinado com a China. Pelo que parece, vão acabar com o jumento nordestino.
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