Por Rangel Alves
da Costa*
Fui adiando o
quanto pude, mas acabei me confessando que tenho vivido menos que o merecido.
Difícil tal reconhecimento, pois exigindo um olhar interior já acomodado com os
passos de cada dia.
É realmente
difícil reconhecer que a vida ao redor é mais viva e pulsante que o imaginado
nela existente. Algo assim que surge iluminada demais e eu permanecendo - por
querer próprio - à luz de velas e candeeiros e o cheiro de incenso.
Também difícil
que entendam uma pessoa viver no asfalto e continuamente se imaginar pisando
descalço na terra morena do sertão. E por isso mesmo renegar o cimento, o
barulho, o vai e vem da cidade, a modernidade, pelo pensamento que vive voltado
para situações muito mais sublimes e singelas.
Por isso que o
tempo passa, a idade avança, tudo se transforma, e eu me conservando ainda
matuto, ainda sertanejo, sem jamais aceitar completamente estar vivendo noutro
mundo, feito um despatriado do seu berço, do seu sol e de sua lua.
Por estar
distante, por viver distante, sinto-me apenas como um forasteiro que nunca
acostuma com os vizinhos que não são meus nem a vida que não é minha. Tantos e
tantos conhecidos, mas não como aqueles velhos amigos, aqueles irmãos de uma
mãe terra sertaneja afetuosa e cativante.
Por isso mesmo
não consigo manter um relacionamento afetuoso com a cidade grande. Para se ter
uma ideia, há mais de dez anos que não tomo um banho de mar, mesmo morando ao
redor de uma imensidão de praias bonitas.
Desde mais de
cinco anos que sequer visito uma orla de praia, caminho por suas areias, tomo
uma água de coco, lanço o olhar naquelas distâncias molhadas. Já nem sei desde
quantos anos que não sento num barzinho para conversar com conhecidos, colocar
as conversas em dia, rememorar as vivências de outros tempos.
Ninguém me
encontrará passeando pelos shoppings ou sentado numa das mesas das praças de
alimentação. Tenho livro à venda em shopping, mas jamais me dei o prazer de
apreciar minha obra na vitrine ou estante. Recebo convites. Até confirmo, mas
acabo desistindo de participar de tudo.
Dificilmente alguém
me avistará almoçando ou jantando num restaurante. E tenho motivos para tal.
Não gosto de comer com requinte e sofisticação nem me sinto bem envolto no
mundo das etiquetas e formalismos.
Minha rotina é
conhecida demais, e a mesma de sempre. Casa, escritório, trabalho. Assim que
posso, lá pelas quatro da tarde, o meu passo certeiro segue em direção à
catedral. A missa começa perto das quatro e meia, mas reservo uns dez minutos
para apreciar a paisagem da praça ao redor. E depois o mesmo caminho de retorno,
quando não resolvo passar na Capela de São Salvador.
Todos os dias
acordo antes das três da madrugada, ainda que vá deitar um pouco mais tarde. A
rede parece me despertar pontualmente. E logo uma prece, um café forte e sem
açúcar, um banho, e a primeira letra escrita. Antes das três e meia já estou
escrevendo, letra a letra, ponto a ponto.
Verdade é que
não sei mais ser ou fazer diferente. Confesso que é uma rotina transformada em
mesmice, costumeira demais, mas pouco pode ser mudado. Acaso pudesse trocaria
tudo pelo silêncio de uma ilha ou a solidão de um mosteiro.
Confesso que
sou discípulo do silêncio e da solidão. Evito o máximo conversar qualquer coisa
além do necessário. Gosto muito mais do silêncio e da reflexão a qualquer
palavra que me chegue vã.
Assim, quem
tiver solidão e não quiser mais pode me ofertar, pois sou devoto de sua feição
e de sua mudez. Não a solidão entristecida, dolorosa, angustiante, mas aquela
que faz distanciar da realidade e permitir aproximação interior.
Tudo em mim
poderia ser sintetizado nos versos da música: “Eu que tinha tudo, hoje estou
mudo, estou mudado... Não estou bem certo se ainda vou sorrir sem um travo de
amargura...”. Na verdade, eu “Daria tudo por meu mundo e nada mais...”.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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