*Rangel Alves
da Costa
Eu gosto de
capas de livros. Uma boa capa tem o dom de impressionar à primeira vista. E
capas existem que traduzem com perfeição toda a trama, todo o enredo, todo o
conteúdo da história.
Verdade que
muitos títulos já sintetizam o livro inteiro, não precisando que o artista
gráfico se esforce muito para bem representá-lo através de pintura, desenho ou
fotografia. Mas outros se tornam reconhecíveis pela expressividade da capa.
Aqui tenho um
menino de engenho olhando para um velho engenho e como se rememorando seu
passado. Aqui tenho uma gravura de um tufo de mato com arma cuspindo fogo em
emboscada. Aqui tenho um bordel com prostituta à porta. O que mais dizer?
Certa feita,
um famoso escritor afirmou ser bastante temeroso pela capa de seus livros. É
que o leitor gosta de ler somente a capa e não o livro. O grande desafio do
escritor é que o leitor crie sua própria imagem descritiva após uma vagarosa e
compreensiva leitura. Não sua imaginação estará a melhor capa que possa haver.
Outro dia
encontrei uma capa de livro deveras impressionante. Sem título, sem nome do
autor, sequer na contracapa. A bem dizer, a capa era totalmente preta e a
contracapa totalmente branca. Somente na terceira página avistava-se o nome do
autor e do livro: Solidão.
De início, não
compreendi muito bem o motivo de uma capa totalmente preta e de uma contracapa
totalmente branca, sem que houvesse sequer o nome do livro ou uma pequena
explicação de orelha. Contudo, folheei rapidamente e resolvi adquirir. Mas um
dos principais objetivos na aquisição foi decifrar aquele mistério.
Contudo, ainda
nas páginas iniciais já estavam justificadas as pretensões com aquela capa e
contracapa tão inusitadas. Percebi então que bastaria o título do livro para
fazer toda a leitura do livro somente pelas opções gráficas de apresentação.
Quer dizer,
todo o discurso do livro poderia ser lido na capa e contracapa. Toda a força e
toda a pujança explicativas já estavam ali magistralmente expostas. Depois de
avistar o título e ter na capa o preto e na contracapa o branco, bem que
poderia não ler mais nada. Tudo já estava entendido e compreendido.
Como afirmado,
o título do livro, encontrado somente na terceira página, era Solidão. O que
significam, então, o preto e o branco na solidão? Eis a maestria visual.
Traduzidas estavam as duas etapas fundamentais desse constante estágio humano:
a entrada e a saída.
Ou ainda a
permanência na solidão e a sua lenta fuga. Ou ainda as dores e sofrimentos da
solidão e as luzes e esperanças quando de sua partida. Ou ainda o negrume da alma
e a tristeza do espírito na contundência da solidão, e paz retornada quando a
porta e janela começam a se abrir para novos horizontes de paz e convívios.
Assim, a cor
totalmente preta da capa representava, pois, a solidão mais solitária, mais
profunda, mais angustiante, mais aflitiva. E o branco na contracapa
representava a saída daquele quarto e fechado, a fuga daquela tristeza medonha
em busca de afetos e afeições. Dois estágios no durante e depois da solidão.
Eis o mistério
da capa. E sem mistério algum. Apenas a tradução visual de uma solidão tão
conhecida por todos e que, verdadeiramente, possui um quarto na escuridão de
breu e uma possibilidade de fuga na brancura da paz interior.
Mas já não sei
o que pensar diante de um livro que encontro agora. O livro possui a minha
fotografia na capa. Mas por quê? Um livro é muito para minha história.
Bastariam umas poucas linhas ou talvez algumas letras em papel comum:
“Um homem sem
história. Um homem apenas de fatos. E fatos tão inusitados de vida que nem
mesmo a junção de tudo possibilita conhecê-lo”.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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