Por José Gonçalves do Nascimento
A frase é de
Fiódor Dostoiévski e está em “O idiota”, romance de 1868. É dita, precisamente,
pelo personagem Hippolit que a atribui ao protagonista da trama, o príncipe
Míchkin, um misto de Cristo e Dom Quixote.
A beleza, aqui
entendida sob o ponto de vista da criação artística, nas suas mais diversas
manifestações, de fato haverá de salvar o mundo. Neste sentido, a afirmativa do
escritor russo soa quase como uma profecia.
Há que se
dizer, antes de tudo, que a arte se funda na verdade absoluta. Sua grandeza
está na força da sua verdade. Isso implica autenticidade, originalidade,
limpidez, integridade, isenção. A arte não comporta qualquer desvio,
falsificação ou maquiagem. A arte é ou não é. Não admite meio termo. Do
contrário, ela se mostraria fraca e não convenceria ninguém. Quem conseguirá
resistir à força arrebatadora de uma “Pietá”, de Michelangelo, de uma “Nona
Sinfonia”, de Beethoven ou de uma “Asa Branca”, de Luiz Gonzaga? É esta verdade
que confere vida e identidade à obra de arte, tornando-a perene, fascinadora e
irrepreensível.
Em um mundo
despedaçado por divisões de toda ordem, somente a arte, cuja linguagem é
universal, é capaz de dialogar com as diferenças. Ela nos ajuda a transcender a
sociedade fragmentada em que vivemos, convidando-nos a encarar a realidade com
um olhar novo e aberto a uma convivência mais saudável e mais construtiva.
Friedrich Schiller (poeta do século XIX) defendia que somente as relações
fundadas na arte poderiam unir a sociedade. E, na linha do que defende Noberto
Bobbio (pensador do século XX), a arte une porque vive do diálogo,
diferentemente da política, que vive do conflito.
No filme a “A
missão”, por exemplo, é a arte que supera o impasse existente entre
missionários e indígenas. Com roteiro de Robert Bolt e direção de Roland Joffé,
a película, datada de 1986, conta a saga dos missionários jesuítas que ousaram
adentrar as florestas do Brasil, com o intuito de catequizar os Guaranis.
No início do
filme, um missionário é amarrado em uma cruz e lançado no rio, o que revela a
dimensão do conflito entre os religiosos e os nativos. Nas cenas subsequentes,
todavia, um padre vai a uma clareira rodeada de indígenas, senta-se em uma
pedra, e começa a tocar um oboé. Os Guaranis, que antes se apresentavam hostis,
aproximam-se do sacerdote e, sensibilizados pela arte musical – comum também a
eles – começam a baixar as armas. Após o gesto, o religioso sai andando pelo
leito do rio, enquanto os índios o seguem amistosamente.
Isso decorre,
acima de tudo, do caráter de isenção e liberdade que a arte assume. A mensagem
da arte, porque universal, não pode se fixar em nenhum dogma, seja ele qual
for. Deve evitar qualquer filiação, seja do ponto de vista político, religioso
ou filosófico. Caso contrário, perderia ela uma de suas características
fundamentais para se transformar em mera peça ideológica ou publicitária.
Não é demais
falar da arte como algo que liberta, que redime e que aponta para a existência
de uma realidade plenamente nova e condizente com nossos sonhos e anseios mais
profundos - ainda que no campo puramente estético.
Um pensador
dos nossos tempos, Tzvetan Todorov, é de opinião que “a obra de arte, ao mesmo
tempo singular e universal, permanece como imagem eloquente da plenitude. Sua
vantagem suplementar (...) é de se dirigir a todas e todos, e de incitar
discretamente cada um a se abrir para a beleza do mundo”.
Referindo-se a
literatura, Oscar Wilde, tido por seus contemporâneos como o “apóstolo da
beleza”, atribuía àquela a função de “criar, partindo do material bruto da
existência real, um mundo novo que será mais maravilhoso, mais durável e mais
verdadeiro”. E, de novo, Todorov: “uma renovação autêntica só poderá emergir
das visões imaginativas dos artistas e místicos”.
É por tudo
isso que, das grandes invenções do engenho humano, as únicas que remanescem são
aquelas voltadas para a contemplação do espírito. A arte é epifania. É a perene
ebulição que envolve; e revolve; e revoluciona; e vibra; e fascina; e
hipnotiza. A arte criou e recriou o mundo. Aliás, este nunca mais foi o mesmo
depois de Adão, de Homero, de Platão, de Cervantes, de Goethe, de Beethoven, do
Emmanuel, de Castro Alves.
Arte dita,
pensada, emoldurada, cantada, sentida. Os homens se perdem; a arte, jamais. Ela
salta dos poemas, dos afrescos, das canções. Está na tragédia de Ésquilo, no
olhar ressaqueado de Capitu, nas façanhas de Macunaíma, na prédica do
Conselheiro, nas veredas do grande sertão, no toque do atabaque e do berimbau,
no turbante azul e branco dos filhos de Gandhy, no rosto pintado dos Yanomamis.
Concluímos
evocando um mestre da atualidade, Gregory Wolfe: “se a arte não pode salvar
nossas almas, pode ao menos fazer muito para remir a época, dando uma
verdadeira imagem de nós mesmos, tanto no horror e tédio a que estamos
sujeitos, quanto na glória em que, por raros momentos, podemos ter o privilégio
de vislumbrar”.
“A beleza
salvará o mundo”.
José Gonçalves
do Nascimento
jotagoncalves_66@yahoo.com.br
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http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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