Por Rostand Medeiros
O
aprisionamento de Lampião não se me afigura impossível. Nada importa diga ele
que prefere a morte. Antônio Silvino também o dizia, mas, apenas se viu
baleado, foi o primeiro em fazer questão de mansamente se entregar à justiça.
Restabelecido ulteriormente, voltaram-lhe no presídio os ímpetos brutais, como
na manhã em que, entre descomposturas do calão mais vil, sacudiu um pão na cara
de um desembargador.
A prisão de Antônio Silvio em 1914
Antônio
Silvino preso.
Quando a
captura de Lampião parece a tanta gente sonho irrealizável, vem a propósito
recordar como se deu a de seu terrível predecessor.
O que
desgraçou Antônio Silvino foi a perseguição sem tréguas que lhe moveu uma de
suas vítimas mais humildes. Bem diz o povo que “não há inimigo pequeno” e que
“mutuca é que tira boi do mato”…
Sargento
Alvino, promovido a alferes após a captura de Antonio Silvino
José Alvino
Correia de Queiroz era obscuro comerciante no sertão de Pernambuco, quando
Antônio Silvino lhe saqueou o pequeno estabelecimento. Reduzido à miséria,
jurou vingar-se e entrou a polícia daquele Estado. Acreditaram nos seus
propósitos e fizeram-no sargento.
Inteirado de
que Silvino transitaria por certa faixa do município de Taquaritinga, o
Sargento Alvino buscou informações de João Vicente e Joaquim Pedro, moradores
naquelas paragens. Ambos negaram a pés juntos ter qualquer conhecimento a
respeito. Mas, tão jeitosamente o miliciano conduziu as investigações, que a
esposa de João Vicente o orientou:
– Quando o Sr.
chegar à casa de nosso vizinho, o Joaquim Pedro, e encontrar as mulheres
torrando galinhas ou fazendo comedoria de sobra, pode apertar o pessoal que o
“capitão” Antônio Silvino está escondido perto, no mato…
O oficial
Theophanes Ferraz Torres, comandante da volante que capturou Silvino. Valente e
destemido, seria um grande perseguidor de Lampião.
No dia
esperado, 27 de novembro de 1914, os policiais, sob o comando do Alferes Teófanes
Torres e do Sargento José Alvino, estavam no local referido, de nome Lagoa
Laje.
Assim que
penetrou na residência de Joaquim Pedro, o Sargento Alvino se encaminhou
diretamente para a cozinha, atrás de cuja porta se lhe deparou pendurada uma
banda de ovelha. E viu chegar desconfiado, pelo quintal, um rapazola com um
tabuleiro à cabeça, cheio de tigelas, colheres e pratos. Interrogado, o
recém-vindo explicou, titubeante, que havia ido deixar comida a uns
“trabalhadores”, num roçado.
Concomitantemente,
o Alferes Teófanes submetia Joaquim Pedro a interrogatório, e este negava que
soubesse do paradeiro de Silvino.
Aparece o
sargento e, depois de falar na ovelha morta e de mostrar o tabuleiro com os
restos de comida, pede permissão para forçar o velho sertanejo a não continuar
mentindo. Ato contínuo, tranca-lhe, numa alcova, a mulher e os filhos e ordena
que os soldados desembainhem os sabres.
Nos antigos
jornais e revista por mim pesquisados, esta foto consta como sendo a força
policial que lutou e capturou Antonio Silvino, mas muitos pesquisadores apontam
como sendo o próprio bando de Antonio Silvino.
Nesse momento,
mais nervosa, uma filha do ameaçado pede, da alcova:
– Meu pai, por
caridade, descubra logo!
Joaquim Pedro
roga que não lhe batam e justifica-se, alegando que logo não disse a verdade
por temer a vingança de Silvino, no caso de a polícia o não prender ou matar. E
confessa que o celerado está escondido não longe dali.
Eram cinco
horas da tarde e urgia assaltar os cangaceiros, antes que a noite sobreviesse.
Também nos
jornais de época esta mulher foi apresentada como Antônia de Arruda, amante de
Silvino.
Sob as ameaças
de ser liquidado, se desse o menor sinal aos bandidos, Joaquim Pedro vai
mostrar o esconderijo deles. Com todas as precauções imagináveis, a tropa se
aproxima da malta criminosa.
Antônio
Silvino estava deitado numa pedra, sobre a qual se debruçava copada oiticica.
Perto, divertiam-se alguns de seus cabras, a jogar um sete-e-meio. Ao ouvir a
primeira descarga, Silvino gritou, motejante:
– Espera aí,
rapaziada! Deixem, ao menos, os menino acabar esta mão!
Mas o fogo
irrompeu violento e sem intermitências, dos dois lados.
Com o cair da
noite, o tiroteio deixou de ser correspondido. O Alferes Teófanes e o Sargento
Alvino acreditaram que Silvino tivesse fugido. Suspeitando, todavia, que ele se
quisesse vingar de Joaquim Pedro, foram entrincheirar-se na casa deste.
Antônio
Silvino já com o uniforme da prisão.
Coisa bem
diversa se passava. Silvino fora atingido por uma bala nas espáduas e o seu
companheiro Joaquim Moura tivera quebrada uma perna. Os demais cangaceiros se
embrenharam, desorientados, na caatinga, favorecidos pelo negrume da noite.
Estando a perder
muito sangue, Silvino convidou Joaquim Moura a se entregarem, mas este repelira
o convite e, depois de dizer que macaco do Governo não tinha o gosto de
botar-lhe as mãos em riba, ele vivo, suicidou-se com um tiro na cabeça.
Impressionado
ainda mais com o trágico fim do último assecla que lhe restava, Silvino
despojou-se das armas e arrastou-se para a casa da mulher que ele ignorava
tivesse sido quem o denunciara. O marido dela, João Vicente, a estava
censurando por sua leviandade, persuadido de que Silvino, sabedor da denúncia,
lhes não perdoaria.
De repente,
batem à porta. Quando, de fora, uma voz anuncia que quem bate é Antônio
Silvino, João Vicente encomenda a alma a Deus, convicto de que vai morrer. É
sua mulher quem se afoita a atender ao chamamento.
Ao se abrir a
porta, aparece, à luz da lamparina, o vulto do grande salteador. Quase
desfalecido e com as vestes rubras de sangue, Silvino está escorado no portal.
– Capitão, que
horror é este?
– Mataram-me…
arqueja aquele que, acovardado, começava a expiar crimes sem conta.
Conduzido a
uma rede, ele pede que chamem a polícia. Vai alguém a Taquaritinga, mas não encontra
lá os soldados. Na confusão em que todos se viam, ninguém a princípio se
apercebeu de que os policiais poderiam estar pernoitando na fazenda de Joaquim
Pedro. À mulher de João Vicente ocorre agora essa possibilidade. Despacham para
ali o portador. Quando este bate à porta de Joaquim Pedro, os soldados aperram
as armas, crentes de que é Silvino quem chega. Aberta a muito custo uma janela,
o mensageiro dá contas de sua incumbência: vem avisar que Antônio Silvino,
sozinho, desarmado e gravemente ferido, está em casa de João Vicente e quer
entregar-se à prisão.
Expectativa
para a chegada do famoso bandoleiro nordestino na Casa de Detenção de Recife.
O Alferes
Teófanes suspeita que se trate duma cilada e opina que se aguarde o raiar do
dia. Tanto insiste, porém, o Sargento Alvino que, afinal, o seu comandante se
dispõe a ir ver Silvino. Ainda assim, o recadista vai seguro pelos cós e
advertido de que receberá uma punhalada, ao primeiro tiro com que a tropa seja
surpreendida.
Cercada com
cautelas a morada de João Vicente, houve grande alegria, quando se patenteou
aos olhos de seus perseguidores a mísera situação daquele que se gabava de que,
embora sem saber ler, governava todo o sertão! O Sargento Alvino parecia o mais
contente. Exigiu que se não fizesse o menor mal a Antônio Silvino e saiu, pelos
matos, a cortar umas folhas de quixabeira para lhe lavar as feridas.
Fora
destronado o Átila bronco que, durante dois decênios, apavorara a gente matuta
do meio-norte e assoalhava não ser passarinho que morasse entre grades… Por
trinta anos ia se fechar atrás dele o portão da Penitenciária de Recife!
Foi à
tenacidade do Sargento Alvino, à sua argúcia e vontade firme de vingança que se
deveu a prisão de Antônio Silvino. Forçoso é, porém, reconhecer que colaborou
inestimavelmente nisso a indiscrição duma mulher.
Acontecerá o
mesmo, algum dia, a Lampião? Até na ruína dos cangaceiros terá aplicabilidade o
cherchez la femme
Texto acima é
do Cearense Leonardo Mota, inserido no seu livro “No tempo de Lampião” e
publicado pela Of. Industrial Gráfica, do Rio de Janeiro, em 1931. Esta
reprodução é da segunda edição, de 1967. Leonado Mota era cearense da
cidade de Pedra Branca, nasceu em 1891 e faleceu em 1948. Estudou a fundo
o sertão nordestino, onde descreveu vários aspectos da região em obras
memoráveis.
Antes de
Lampião, Antônio Silvino era o cangaceiro mais famoso e seu apelido mais
conhecido foi “Rifle de Ouro”. Nascido no dia 2 de dezembro de 1875, em
Afogados da Ingazeira, Manoel Batista de Morais entrou para a história como
Antonio Silvino. Durante 16 anos, driblou a polícia, praticou saques e assassinou
inimigos, mas era tratado pelos poetas populares como um “herói” por respeitar
as famílias. A invencibilidade de Silvino terminou no dia 27 de novembro de
1914, quando ocorreu o seu último tiroteio com a polícia. Atingido no pulmão
direito, conseguiu se refugiar na casa de um amigo e disse que ia se entregar.
Da cadeia de Taquaritinga seguiu, dentro de uma rede, até a estação ferroviária
de Caruaru, onde um trem especial da Great Western o levou para o Recife. Uma
multidão o aguardava na Casa de Detenção, atual Casa da Cultura. Antonio
Silvino tornou-se o detento número 1.122, condenado a 239 anos e oito meses de
prisão. Em 4 de fevereiro de 1937, depois de vinte e três anos, dois meses e 18
dias de reclusão, foi indultado pelo presidente Getúlio Vargas. O ex-rei do
cangaço morreu em 30 de julho de 1944, em Campina Grande, na casa de uma prima.
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