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quinta-feira, 16 de maio de 2019

DISCURSO PROFERIDO NO DIA 23 DE MARÇO DE 2019 POR OCASIÃO DA POSSE DA NOVA DIRETORIA DA ACADEMIA MOSSOROENSE DE LETRAS

Por Geraldo Maia

Peço permissão ao confrade Elder Heronildes, Presidente da Academia Mossoroense de Letras, para em seu nome saudar os demais membros da mesa. Confreiras e Confrades, Autoridades presentes e representadas, Minhas Senhoras, Meus Senhores.   “Escreve, portanto, o que viste, o que é e o que deve acontecer depois.” Apocalipse 1-19   Meus caros Irmãos,   Disse Santo Ambrósio que “não dever haver urgência maior que a de agradecer”. E é isso que faço agora. Agradeço ao presidente desta Academia, Elder Heronildes, pela oportunidade de discorrer sobre um tema de tão alta relevância para mim, numa noite de gala para esta Academia, pois se trata da cerimônia de posse da sua nova diretoria. Agradeço também pela presença de todos vocês, que abrilhantam esta noite.   Não nasci em Mossoró, mas tenho por essa terra um respeito e um carinho muito grande. Quando aqui cheguei, há vinte anos, desejoso de conhecer a cidade onde ia morar, comecei a pesquisar sua história, a verdadeira alma da cidade. O que encontrei me fascinou. E seguindo a sentença bíblica, passei a escrever sobre todos e sobre tudo o que diz respeito a Mossoró. Venho descrevendo-a em prosas e versos.  Devo alertar, no entanto, que na verdade sou apenas um apaixonado pela História de Mossoró, sendo esse o motivo das minhas pesquisas. Não tenho qualificação nem títulos que credenciem as minhas observações, mas o que registro são baseados em fontes documentais. Não seria leviano para agir de outra forma. Nesses anos de pesquisas, tenho encontrado algumas incorreções na história local e embora sabendo que isso incomoda algumas pessoas, tenho tentado resgatar a verdade, mesmo que esta não seja tão bonita quanto à fantasia dada como oficial, mas claro, sempre baseado em vasta documentação. E nenhum tema abordado gerou tanta polêmica quanto à data da Emancipação Política de Mossoró. E como me envolvi nessa história?... Em 15 de março de 2003, numa manhã de sábado, eu estava na livraria A.S. Livros, que na época funcionava em Mossoró, lançando o meu livro “Fatos e Vultos de Mossoró – Acontecimentos e Personalidades, quando recebi uma ligação de Marcos Bezerra, que era repórter da Intertv Cabugi, dizendo que tinha lido uma matéria minha falando da Emancipação Política de Mossoró naquele dia 15 de março, mas que estava nas ruas, consultado às pessoas e que ninguém sabia desse acontecimento. E perguntou se eu podia dá uma entrevista para esclarecer o caso. Eu falei pra ele que minha fonte de pesquisa tinha sido o livro “Notas e documentos para a história de Mossoró, de Luís da Câmara Cascudo, que era o livro oficial da história de Mossoró”. Mas que todos os outros autores, que tratavam desse assunto, aceitavam o 15 de março como sendo a data da Emancipação Política de Mossoró. Que eu, naquele momento, estava em pleno lançamento do meu livro, mas logo que acabasse eu podia sim falar sobre o assunto. Ele acabou se dirigindo para a livraria onde fez a matéria sobre a Emancipação Política de Mossoró e também sobre o lançamento do livro, o que me deixou muito lisonjeado. O programa foi ao ar e alguns dias depois o Marcos Bezerra me ligou e novamente questionou sobre a veracidade da data, pois uma jornalista aqui de Mossoró, que na época era assessora da Prefeitura, tinha ligado pra ele pra dizer que ele tinha se deixado levar por minha história, mas que a data correta era 9 de novembro. O que eu respondi foi que bastava ele abrir qualquer livro de história de Mossoró para confirmar o fato. E ficou por isso. No ano seguinte, em 9 de novembro de 2004, foi aprovada a Lei nº 2009, cujo projeto era do então Presidente da Câmara Municipal, instituindo aquela data como ponto facultativo nas repartições públicas municipais da cidade “por se tratar de data alusiva a Emancipação Política da bravia Mossoró”. A partir desse ato a polêmica ganhou força. E nos oito anos seguintes, em 9 de novembro, o tema era discutido em matérias de jornais, rádio e televisão. E sempre que era convidado a me manifestar sobre o assunto, eu explicava que a emancipação política de uma região acontecia quando ela se desmembrada de outra e passava a ter os seus próprios dirigentes. E que isso aqui em Mossoró tinha acontecido no dia 15 de março de 1852, conforme consta nos livros de histórias, e que essa data está estampada no Selo e na Bandeira do Município. Mas logo surgiram os adeptos de outra corrente, que mesmo sem apresentar nenhuma outra fonte, “achavam” que a data era 9 de novembro e que não se devia mexer na Lei para não comprometer algumas pessoas. Ou seja, o tema tinha assumido ares políticos e algumas tentativas surgidas de corrigir o erro não eram aprovadas pela Câmara e quando a Câmara aprovava não tinha o respaldo do Executivo. Tive, em todo esse tempo, o apoio de dois grandes pesquisadores: Raimundo Soares de Brito e Antônio Nonato de Oliveira. No entanto, Raibrito, como era carinhosamente conhecido pelos amigos, já com oitenta e cinco anos de idade e doente, não se encontrava com força para participar do movimento. E Nonato, o nosso querido Nonatinho, que chegou a publicar um trabalho com o título “Emancipação Política e Predicamento de Cidade (Mossoró e Areia Branca)”, foi acometido de um AVC e também não pode mais participar da discussão. Mas felizmente a lógica predominou e em 2013, no dia 23 de maio, por coincidência dia do meu aniversário natalício, era aprovada a Lei nº 3.028, de autoria do Vereador Genivan Vale, corrigindo o erro e reconhecendo o 15 de março de 1952, como data da criação do Município de Mossoró. Vamos aos fatos: A 26 de setembro de 1701 o governador e capitão general de Pernambuco, dom Fernando Martins Mascerenhas de Lancastro doava ao Convento de Nossa Senhora do Carmo de Recife/PE, terras que nunca tinhas sido povoadas no rio Paneminha ou Upaneminha. Dava-se assim o início da povoação na ribeira do Mossoró. E muitas outras foram doadas, de modo que em determinado momento a ribeira já contava com mais de cinquenta moradores, gados, residências, interesses, um juiz de vintena e seu escrivão. Faltava apenas a autoridade executiva, policial, preventiva e repressora, desinteressada e prestigiada pela propriedade, família e tradição local. Em 04 de outubro de 1755 o Capitão-mor do Rio Grande do Norte, Pedro de Albuquerque Melo, nomeou José de Oliveira Leite para as funções de Sargento-mor da Ribeira do Mossoró. Dentre as propriedades ali existentes, estava a Fazenda Santa Luzia, que a partir de 1770 passou a pertencer ao Português Antônio de Souza Machado. Em 1772 foi construída nessa Fazenda uma capelinha dedicada a Santa Luzia, em pagamento de promessa feita por dona Rosa Fernandes, esposa de Souza Machado. E ao redor dessa capelinha nasceu o arraial de Santa Luzia do Mossoró. A partir de meados de 1838, os moradores da ribeira começaram a sonhar com a criação da paróquia. Elevar a pequena capela ao predicamento de Matriz era o desejo de todos. Não significaria apenas a autonomia religiosa, mas seria esse o primeiro passo para a emancipação política. Foi grande a luta, mas finalmente a Resolução nº 87, de 27 de outubro de 1842 criava a Freguesia, desmembrando-a da Freguesia do Apodi, elevando à categoria de Matriz a capela de Santa Luzia do Mossoró e incorporando-a ao Termo e Comarca do Assú. A resolução também determinava os limites da nova Freguesia, limites esses que foram preservados quando da criação do município. Trinta dias depois, a Lei nº 93, de 5 de novembro de 1842 criava a Mesa de Rendas Provinciais na sede da nova unidade de administração religiosa, o que demonstrava o valimento econômico da região que Mossoró centralizava. Em 1852 Mossoró possuía uma população de cerca de 6.000 pessoas morando ao longo das margens do rio Mossoró e com dois centros: um em Santa Luzia e o outro em São Sebastião. Já era tempo de pensar em emancipação política. E assim aconteceu:  No dia 15 de março de 1852 o povoado de Santa Luzia do Mossoró passou a categoria  de Vila, através do Decreto Provincial de nº 246, sancionado pelo Dr. José Joaquim da Cunha, Presidente da Província do Rio Grande do Norte. A medida estabeleceu a criação da Câmara, desvinculando-se politicamente do Município do Assu, a quem pertencera até então, formando um novo Município, sendo elevada a respectiva Povoação à categoria de Vila de Mossoró. A ideia da criação do Município partiu dos habitantes da ribeira do rio Mossoró. Entre os principais incentivadores, destacavam-se o Vigário Antônio Joaquim e o Padre Antônio Freire de Carvalho, que organizaram em Mossoró o núcleo Saquarema que era o Partido Conservador. Foram eles os responsáveis pela organização de um abaixo assinado que seria dirigido à Assembleia Provincial, pleiteando a criação da Vila e Município de Mossoró e do Tribunal de Jurados. Esse abaixo assinado chegou a Assembleia Estadual na sessão do dia 13 de janeiro de 1852, com 350 assinaturas. Como justificativas para a pretensão alegavam: 1 – existência de mais de dois mil fogos (na classificação tradicional, 3 pessoas por casa residencial); 2 – população estimada em mais de seis mil almas; 3 – arruamentos bem organizados, de boa perspectiva e não pequeno; 4 – um comércio “bastante opulento”; 5 – terras ótimas para criação; 6 – praias que enviavam peixe seco para lugares em derredor; e 7 – salinas assazmente abundantes que constituem um grande ramo de comércio. Foi o bacharel Jerônimo Cabral Raposo da Câmara, Secretário da Assembleia, quem leu o abaixo assinado. O projeto veio ao plenário na sessão de 8 de março de 1852, para a primeira discussão. Aprovado sem emendas. Na Segunda sessão, com a mesma aprovação. E na terceira, realizado no dia 11, aprovado, seguindo para a Comissão de Redação Final. O Presidente da Assembleia, o Bacharel Otalino Cabral Raposo da Câmara, o Vice-Presidente, o 1º e 2º secretários assinaram o projeto em sua redação final. O Presidente da Província fez a sanção a 15 de março de 1852. Mossoró passava a ser o décimo nono município da Província. Com essa Lei nº 246, nascia o Município de Mossoró. Criado o Município, procedeu-se em Mossoró a eleição para Vereadores e Juiz de Paz. Nelas figurava o Vigário Antônio Joaquim como representante do Partido Conservador e o Capitão João Batista de Souza como representante do Partido Liberal. Os Conservadores procederam à votação no interior da Igreja de Santa Luzia enquanto os Liberais permaneceram numa casa da Rua Domingos da Costa. Houve uma tentativa, por parte dos Liberais, de tomar o Livro de Atas. Por não conseguirem, passaram a disparar armas de fogo para o lado da Capela, onde permaneciam os Conservadores. A eleição foi vencida pelos Conservadores, que era comandada pelo Vigário Antônio Joaquim e encabeçada pelo Padre Antônio Freire de Carvalho. Este, como Presidente eleito, juramentou-se perante a Câmara do Assu, tomando posse e no mesmo dia, 24 de janeiro de 1853, na Vila de Mossoró, tomou juramento aos demais Vereadores, declarava instalada a nova Câmara que ficou assim composta: Padre Antônio Freire de Carvalho, Presidente; Tenente Coronel Miguel Archanjo Guilherme de Melo, Vereador; Capitão Francisco de Medeiros Costa, Vereador;  Capitão João Batista de Souza, Vereador; Francisco Besoldo das Virgens, Vereador; Sebastião de Freitas Costa, Vereador. Apesar da lamentável ocorrência quando da eleição, os Conservadores assumiram o poder e num período de tranquilidade, fizeram um governo de paz, sem ódio e sem vingança. Muito pouco pode ser feito pelo primeiro governante de Mossoró. Na opinião do historiador Raimundo Soares de Brito, de saudosa memória, “arrumou a casa. O resto deixou a cargo dos seus sucessores”. A Vila de Mossoró tinha na pecuária, a sua principal fonte de renda. Isso era muito pouco, pois as constantes secas castigavam  e até dizimavam o rebanho constantemente. Esse foi o motivo da sede administrativa do Município não ter sido elevada, a princípio, a condição de cidade. Aí vem a pergunta que todos querem fazer: mas se era assim, porque houve o desmembramento? Segundo Câmara Cascudo “a razão da vitória do projeto elevando Santa Luzia à Vila e fazendo surgir o novo município norte-rio-grandense deve ser procurado no plano político e não econômico. Foi um ato do Partido Conservador contra a região sabiamente pertencente ao Partido Liberal. Os eleitores, indo para Assú ou Apodi, iam votar no candidato “luzias”, como outrora eram fiéis ao Partido Sulista, nome do Liberal velho. Não havia em Santa Luzia do Mossoró eleitores do Partido Conservador e sim simpatizantes sem pronunciamento por falta de chefia coordenadora. Mossoró município havia de constituir base de força conservadora.” Com o passar dos anos, o perfil econômico da vila começou a mudar, vindo a se tornar um centro comercial, ou como se dizia na época, um “Empório Comercial”. E o marco para essa mudança do perfil econômico foi à chegada dos navios da Companhia Pernambucana de Navegação Costeira ao porto de Mossoró em 1857, através de uma subvenção concedida pelo governo provincial. Com essa medida, o município se tornou o centro de comercialização de uma área que atinge, além dos municípios vizinhos, uma parte do Ceará e também da Paraíba.  A chegada dos navios fez com que comerciantes de outras praças, principalmente de Aracati/CE, viessem a se estabelecer aqui, atraídos pelas oportunidades comerciais que Mossoró passava a oferecer. E foi esse atrativo que fez com que em 16 de novembro de 1868, o industrial suíço Johan Ulrich Graff se estabelecesse em Mossoró com a famosa “Casa Graff”, alavancando o seu desenvolvimento econômico com ideias mercantilistas, associadas ao capital aqui investido.  E foi dessa forma, como centro comercial de referência, que em 9 de novembro de 1870, a Vila de Mossoró passava a categoria de Cidade, através da Lei Provincial nº 260, de autoria do vigário Antônio Joaquim Rodrigues, que era Deputado Provincial, com assento pela sexta vez na Assembleia. Essa Lei tinha um único parágrafo que dizia: “Fica elevada ao predicamento de cidade a então vila de Mossoró”. E nada mais.  A aprovação da Lei encheu de júbilo o peito do velho vigário. Quando retornou de Natal, comunicou aos seus amigos e correligionários a alvissareira notícia com as seguintes palavras: “Fiz disto uma cidade”! Portanto, senhoras e senhores, foi isso que aconteceu em 9 de novembro de 1870. Como vimos, desde 24 de janeiro de 1853, quando foi instalada a Câmara Municipal de Mossoró, passamos a ter os nossos próprios governantes. Em 1870 Mossoró era administrada por Luiz Manuel Filgueira, Tenente-Coronel da Guarda Nacional, que foi escolhido para dirigir os destinos administrativos do município durante o triênio 1869 a 1872, cumprindo o seu papel sem nenhuma interferência. Essa Lei de 9 de novembro passou praticamente despercebida pela maioria da população, já que não causou nenhuma mudança administrativa.   Finda essa explicação, gostaria de encerrar as minhas palavras com um texto publicado por Câmara Cascudo intitulado “O tonel das Danaides”.     Segundo ele, “As Danaides eram cinquenta filhas de Danao, rei de Argos. Seu irmão, Egito, tinha cinquenta filhos. Mandou a filharada masculina casar com as primas. Danao não queria o casamento. Combinou com as filhas um plano.      Os cinquenta recém-casados tiveram a mais estranha noite de núpcias de que há notícias no mundo.      Foram todos assassinados pelas esposas. Só escapou um, Linceu, poupado por sua mulher  Hipernestra.      Júpiter condenou as Danaides às penas do Tártaro, que era o Inferno daquele tempo.      As Danaides enchiam um tonel sem fundo. Séculos e séculos, sem pausa, sem descanso, interrupção, as moças carregavam água, despejando-a no barril furado.      Teodoro de Banville contou o fim dessas Danaides, na Lanterna mágica.      Os Titãs venceram os Deuses. O Tártaro ficou sem chefe, despovoado de sofredores, todos perdoados.      Astepério anuncia a terminação da sentença:      - Acabou vosso suplício. Largai essa penitência. O tonel está cheio.      As Danaides pararam, pela primeira vez, há milênios. Enxugaram a fronte, descendo as bilhas infatigáveis. E dizem confusas e desapontadas :      - Está cheio o tonel? Pois bem! Que havemos de fazer? Já estamos habituadas com o trabalho contínuo, mesmo inútil.        Não perguntem, pois amigos, confrades e convidados, por que escrevo sempre, com ou sem leitores, com ou sem compreensão, estímulo ou tolerância.      Deixem-me com o meu barril sem fundos. A tarefa finda significaria o repouso incômodo, a displicência, a preguiça mortal.      Por isso, mesmo sem ter ofendido Apolo, encho, obstinado e tranquilo, a talha imperfeita, escondido num recanto da minha cidade.      Quando não mais ouvirem o rumor da água agitada, não se dirá que Júpiter sucumbiu.      “Será que, para sempre, desfaleceu na morte, o braço humilde do trabalhador...”   

Muito obrigado!  


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