*Rangel Alves da Costa
Trago a simbologia da vegetação sertaneja para falar de coisas além-sertão, ainda que tudo permaneça nas vizinhanças dos tufos de mato e das locas de pedra. Esse mundo caboclo, entremeado de forças e fragilidades, assim como a folha morta pela estiagem e a baraúna firme em qualquer tempo, é também um mundo de onde se exemplifica tudo o que acontece na vida e no mundo, assim como a miséria e a riqueza.
Quando não estou no sertão, ainda assim escrevo, desenho ou rabisco o sertão. Hoje, e não faz muito tempo, que eu rabisquei um sertão. Apenas um desenho: papel comum envernizado, um sol como minha marca maior, e depois algumas pinceladas com acrilex. Pronto. Agora vai ser emoldurado e ficar bonito, colocado em parede e lá, no Memorial Alcino Alves Costa, ficará perante os olhos interessados. Mas o que significa este desenho? Apenas o sertão e sua pujança maior, ainda que na pobreza, na violência, nas cruzes que vão se assomando por todo lugar.
Certamente um tempo de antigamente, mas também um tempo de agora. Avisto umas casinhas ao longe, uma igrejinha, uma solidão. E também armas entrecruzadas sob o amarelado do sol sertanejo. Duas cruzes solitárias, duas covas rasas. Um mundo que assim existiu. Eu rabisquei e depois fiquei admirando. Paisagem triste, cruel, desolada, de medo e de dor. Desenhei apenas uma situação. Mas poderia escrever um livro de mil páginas sobre o que está retratado. Apenas sertão. E de sertão eu bem sei.
Existem muitos sertões assim. Sertão da espingarda, do mosquetão, do clavinote. Um sertão de cruzes esquecidas nos beirais de estradas e de vidas despedaçadas pelos urubus, gaviões, carcarás. O bicho carnicento já gostou muito mais do sertão. Naqueles tempos de coronéis e jagunços, de cusparadas ao chão e ordens de vida ou de morte para serem cumpridas em instante, certamente que era um sertão muito mais desarvorado e perigoso. Mas ainda não deixou de ser assim não, meu sinhô. O perigo ainda ronda por todo lugar. Mas a violência é outra, é a violência barata e da covardia.
Entre os tufos de mato ronda o medo. Tão bela e tão perigosa. A vegetação sertaneja é um mundo igual a outros mundos, é também uma vida igual a outras vidas. A catingueira, o xiquexique, o mandacaru, o cedro, o cipó, o fedegoso, o bonome, o espinho de quipá, a cansanção e a urtiga, a flor mimosa nascida no meio do mato, a aroeira e o umbuzeiro, dentre outros, também podem ser avistados além das estradas, dos asfaltos, do cimento, do ferro, da brutalidade da vida citadina. Em todos a mesma flor e o mesmo espinho, a mesma pedra pontuda e a macia relvada do capinzal.
Mas um olhar sobre os contrastes do mundo e da vida a partir do velame e da umburana de cheiro possui sua razão de ser, ainda que não haja muita diferente entre o forte e o fraco no contexto sertanejo, vez que todos na mesma sina sertaneja. O velame tão frágil, tão quebradiço, e a umburana tão forte e impetuosa. Tudo faz lembrar o forte e o fraco, o mando e a submissão. Mas é assim mesmo. Tudo continua assim mesmo. Com outra roupagem, com outros adornos, mas o sertão ainda possui senhor e escravo, mandante e serviçal. A riqueza e a pobreza não deixam negar.
O velame é retorcido, queimado, alquebrado, servindo de nada até que seque de vez e seja levado pelo vento ou queimado em chamas. A umburana não. A poderosa umburana toma os espaços do poder, da política, do novo coronelismo. Tão forte e tão imponente, tão mandona e tão prepotente, mas não sobrevive sem o velame. Um povo chamado velame que quanto mais é pisado mais se ergue para dar vida ao que lhe submete, oprime e esmaga.
Escritor
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