Por Sousa Neto
Manoel Severo e Sousa Neto
Ouvindo amiudadas vezes as gravações feitas pelo amigo
Amaury Correa de Araújo com Sinhô Pereira e Cajueiro no final dos anos sessenta
sobre esse episódio tão marcante na historia daquela cidade, fui algumas vezes
averiguar “in loco” e extrair por mim mesmo determinadas conclusões.
Sinhô Pereira - foto do Dr. Antonio Amaury
É certo que os homens ricos do inicio do século passado, na ausência de
estruturas financeiras formais com suficiente segurança, tinham que guardar o
seu dinheiro e objetos de valor em suas próprias residências, despertando assim
o interesse de todos os ripários.
Por essa época grupos de cangaceiros e salteadores infestavam os sertões
nordestino roubando, assaltando, extorquindo e muitas vezes até sequestrando. A
ausência do estado e o diminuto contingente de agentes da lei favoreciam essas
ações.
Luiz Gonzaga Gomes Ferraz havia se destacado na região do
Pajeú como próspero comerciante. Era alheio a guerra travada entre as
influentes famílias Pereira e Carvalho por questões políticas naquela e em
outras províncias da região. Até comentavam o interesse de Gonzaga de ingressar
na política por anseio de algumas outras famílias amigas, mas Gonzaga Ferraz
era mesmo um grande empreendedor.
Em março de 1922 o principal protetor de Sebastião Pereira e Luiz Padre,
“major” Zé Inácio do Barro devido à austera perseguição do Governador do Ceará
Justiniano de Serpa, seguiu os mesmos passos de Luiz Padre rumo ao estado de
Goiás onde se homiziaram. Ficara ainda Sebastião Pereira (Sinhô Pereira) com os
mesmos planos já frustrado uma vez.
Sem o auxilio do major Zé Inácio e do coronel Antônio Pereira em declínio
financeiro, mantenedores do bando, Sinhô Pereira se obriga a pedir ajuda a
outros parentes mais abastados, fazendeiros amigos e comerciantes afortunados.
Manter um grupo armado naqueles tempos não era tarefa das mais fáceis.
No mês de maio daquele mesmo ano um comboio conduzindo mercadorias para Luiz
Gonzaga foi interceptado pelo bando de Sinhô que saqueou todos os artigos.
Sinhô Pereira já era avesso a Gonzaga por esse lhe negar ajuda financeira por
varias vezes, inclusive recebeu certo dia como resposta da esposa de Gonzaga
Dona Martina, “que se quisesse dinheiro, que fosse trabalhar como o seu
esposo”.
Havia, entretanto um destacamento do Ceará sob o comando do Tenente Peregrino
Montenegro, homem versado pelas barbáries cometidas em busca de arrancar
qualquer informação a cerca do major Zé Inácio e seus asseclas, ultrapassando
inclusive as fronteiras de seu estado para saciar o seu desejo e alcançar os
seus intentos.
Nas cercanias do vilarejo de Belmonte havia a fazenda Cristóvão, pertencente a
Crispim Pereira de Araújo, conhecido como Yoio Maroto, casado no seu primeiro
matrimônio com Maria Océlia Pereira, irmã de Luiz Padre. Ao ficar viúvo casa-se
com a prima da primeira esposa por nome Francisca Pereira Neves e por ocasião
do falecimento de Francisca, casa-se pela terceira vez com a cunhada de nome
Generosa.
Ioiô Maroto era amigo e duas vezes compadre de Gonzaga
aonde o respeito era recíproco. - (Acervo Heitor Feitosa Macedo)
Por ocasião da passagem do tenente Montenegro a vila de Belmonte ficou sabendo
por Gonzaga Ferraz das tropelias do bando de Sinhô Pereira naquela região e da
amizade e parentesco entre o chefe cangaceiro e Yoio Maroto e rumou sem demora
a fazenda Cristóvão. Ao chegar, ao finalzinho da tarde o perverso oficial já
mostra a que veio e começa o seu interrogatório, como de costume a base de boas
chicotadas nos criados da fazenda que acudiam pelo nome de Zé Maniçoba e Zé
Preto. Foi uma noite de terror para a honrada família que ouviam palavrões dos
mais alarmantes por parte da soldadesca embriagada que humilharam Yoio Maroto
por algumas vezes. O ex- cangaceiro Cajueiro disse a Dr. Amaury que a sua mãe
só não morreu por um milagre de Deus.
Logo de manhã cedo sem as informações almejadas a volante cearense tratou de
sair da fazenda Cristóvão e talvez pela falta de caráter que lhe era peculiar,
Montenegro afirmou que estava ali por informação e solicitação de Luiz Gonzaga.
Para alguns uma justificativa herética e totalmente sem crédito.
O fato é que dali por diante a semente da desavença foi cultivada, Luiz Gonzaga
jurando inocência e Yoio Maroto fingindo acreditar.
Sedento de vingança sempre triste e acabrunhado Yoio Maroto mandou avisar a
Sinhô Pereira o ultraje sofrido juntamente com a família. Sinhô já decidido a
seguir para Goiás pede então a Lampião que resolvesse essa questão de Belmonte.
Sinhô Pereira tinha enorme gratidão e apreço a Yoio, que além de ser seu primo
era casado com Maria, irmã de Luiz Padre.
Luiz Gonzaga Gomes Ferraz avisado de um possível ataque por parte de
cangaceiros parentes de seu compadre contratou um efetivo armado para lhe
garantir proteção. Semanas após resolveu deixar Belmonte retirando-se para a
Bahia e depois Sergipe buscando se estabelecer quando foi convencido a voltar
ao Pernambuco com todas as garantias, inclusive do governo do estado. Esse fato
provocou ainda mais a ira de Yoio Maroto que começou a ponderar ser Belmonte
pequeno demais para os dois, vez por outra murmurava: aqui ou um ou outro!
Luiz Gonzaga Lopes Gomes Ferraz - (Acervo Valdir Nogueira)
Entra em cena Antônio Maroto, irmão de Yoio que para conseguir um empréstimo de
três contos de reis, convenceu Gonzaga a não acreditar na boataria de uma
possível vingança por parte de Yoio e que se empenharia no sentido de convencer
o seu irmão de sua inocência. O avisa da saída de Sinhô Pereira do sertão
nordestino o que deixa Gonzaga exultante, e em uma demonstração de placidez
despensa a sua guarda pessoal recolhendo as armas e munições. Acreditou que
tudo havia acabado. Mero engodo. Ainda alertado pelos habitantes de Belmonte
para não dar crédito a Antônio Maroto, alguns amigos diziam: “Gonzaga em
cangaceiro não se pode confiar, Yoio está preparando o bote"!
É certo que todos tinham razão. Yoio Maroto ia pouco a pouco arregimentando
homens para o ataque. Entre outros contou com Tiburtino Inácio (Gavião), filho
do major Zé Inácio do Barro que tinha uma irmã casada com um primo de Yoio.
Depois Cícero Costa e mais alguns familiares.
Em recente entrevista que fiz com o Sr. Vilar Araújo, filho de Luiz Padre no
estado de Tocantins, esse afirmou que José Terto (Cajueiro) já se encontrava na
região central do país há mais de dois anos ao lado de seu pai, quando da chegada
de Sinhô Pereira lhe ordenando a voltar ao sertão nordestino comandar essa
ação. Vilar conta que o seu tio Quinzão (Cajueiro) quando tomava umas doses de
aguardente, sempre narrava esse episódio.
É certo que a mãe de Cajueiro D. Antônia Pereira da Silva foi ultrajada pela
força volante de Peregrino Montenegro como ele mesmo narra. O que me causou
mais curiosidade foi o fato do cangaceiro tão distante ser enviado para
comandar uma ação já designada a outro.
Questionei com o senhor Vilar essa motivação de Sinhô Pereira e Luiz Padre. A
resposta veio sem pestanejar: “Tio Chico (Sinhô Pereira) acreditava que Lampião
pudesse não atender ao seu pedido”.
Cajueiro chega e se integra ao pequeno grupo liderado por Lampião e principia
os preparativos para o ataque.
Yoio Maroto escolheu o dia ideal para o ataque. Belmonte estava em festa,
outubro era o mês dos festejos celebrados ao Sagrado Coração de Jesus. Dia 19
de outubro o “noitário” ou patrono da festa era justamente Luiz Gonzaga Gomes
Ferraz e o ataque teria que ser no dia seguinte logo cedo, pois com certeza
Gonzaga estaria em casa.
Lápide do antigo túmulo de Luiz Gonzaga Ferraz exposta na casa de Cultura de S. J. do Belmonte
Foto: Sousa Neto
Ao romper o dia 20 de outubro o casarão de Gonzaga estava completamente
cercado. O povoado é acordado ao som de machadadas, pernadas e várias outras
formas de conseguir arrebentarem as portas da residência. As pancadas pouco a
pouco iam despertando os vizinhos e outros moradores que logo perceberam se
tratar de um violento ataque a residência do homem mais prestigiado daquele
vilarejo.
Segundo o cangaceiro Cajueiro na aludida entrevista, disse ser ele o primeiro a
penetrar no interior da residência após escalar o muro do quintal. Ficou dando
apoio enquanto os seus companheiros arrombavam um portão que dava para a rua
dos fundos. Outro grupo tentava o arrombamento da porta da frente. Foi
justamente nesse momento que Cajueiro assistiu a morte de Baliza, um dos que
tentavam despedaçar o portão. A morte de Baliza ainda não está de tudo
esclarecida, há mais razões para esse assassinato e em breves dias irei
explanar. Isso é outra história.
Alguns moradores já acordados vieram em socorro de Gonzaga e assim começa o
tiroteio.
Gonzaga que ao ouvir as pancadas e perceber que o bando sinistro havia
penetrado na residência subiu a escadaria por um dos quartos que dava para o
sótão da casa. Ainda segundo Cajueiro uma senhora apavorada pergunta quem é o
chefe, ele responde: “nóis num tem chefe”, nesse momento um cangaceiro
tenta contra uma jovem que parte em sua direção e lhe agarra dizendo: valha-me
senhor pelo amor de Deus! Cajueiro manobra o rifle e diz: Agora você escolhe,
ou solta à moça ou me mata ou morre. Então o seu companheiro a soltou e essa
foi em direção a sua mãe que se encontrava na cozinha. Cajueiro então pergunta:
- Cadê o “major” tá ai? Ela respondeu “tá ai dentro sim senhor”. Ato continuo
Cajueiro tranca a família em um quarto e chama o cangaceiro Livino para nas palavras
dele “dar uma busca na casa”.
Cajueiro dando boas risadas, confessa ao Dr. Amaury que Gonzaga havia caído do
sótão e estava escondido atrás da porta.
Estive recentemente observando o sótão da casa de Gonzaga e pude perceber que a
parte que compreende a sala de estar, bem como todos os quartos do lado
esquerdo do grande corredor estavam forrados. O lado direito da casa, o sótão
estava em construção. O detalhe é que a parte acima dos quartos por onde tinha
a escada de acesso, eram de tábuas fornidas e pregadas de cima para baixo,
ambiente propicio para armazenar objetos, alimentos etc. A parte da sala de
estar era toda forrada de madeira fina, toda ela pregada com pregos de baixo
para cima, apenas para adornar ainda mais o bonito recinto.
Luiz Gonzaga aterrorizado tentando se ocultar naquele ambiente escuro, caminhou
para o mais distante possível da escada e foi para a parte da sala de estar.
Penso haver ele esquecido que aquele adorno não suportaria o seu peso. Foi ai
que o assoalho cedeu, ele caiu e tentou se abrigar atrás da porta, mas a casa
já estava infestada de bandidos que pensavam apenas em passar a mão nos objetos
de valor.
Ainda segundo Cajueiro Livino Ferreira foi quem fez o serviço, matou o “major”
Gonzaga. Morreram nesse episódio o cangaceiro José Dedé “o Baliza”, Antônio da
Cachoeira (sofreu um ataque cardíaco fulminante) e o soldado Heleno Tavares
hoje homenageado com o nome da rua que combateu o bando nefasto. Saíram feridos
do bando de Lampião, Yoio Maroto com um tiro no braço, o valente Zé Bizarria e
Cícero Costa.
Essa é uma das primeiras imagens de Lampião. - O Rei do Cangaço está sentado, é o segundo da esq. para a
direita
Anos depois foi aberto um inquérito para apurar essa ocorrência e em 07 de
outubro de 1929 todos os 42 implicados foram condenados.
Yoio Maroto refugiou-se no Barro, debaixo da proteção de Justino Alves Feitosa
que dias depois lhe deu carta de recomendação endereçada ao Coronel Leandro da
Barra, homem influente na região dos Inhamuns que o acolheu. Yoio passou a
viver usando o nome fictício de Coronel Antônio Alves. Com muito esforço e
trabalho adquiriu a fazenda Malhada Vermelha aonde veio a falecer em 19 de maio
de 1953.
Fontes Pesquisadas:
ARAÚJO, Vilar (Entrevista em julho 2013)
FERRAZ, Marilourdes – O Canto do Acauã
MOURA, Valdir José Nogueira (HISTORIADOR E ESCRITOR)
CORRÊA, Antônio Amaury – LAMPIÃO Segredos e Confidências do Tempo do
Cangaço.
REVISTA - A Província – O universo pelo Regional – Fevereiro de 1998.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário