Por Rangel Alves
da Costa*
O silêncio
também tem voz. E tantas vezes clama, grita, brada, irrompe em dolorosos sons.
E a voz do silêncio é a mais audível de todas, pois de sonoridade mental e
interior.
E ecoando na
mente logo se faz ouvir o ruído desesperado, aflito, angustiado: solidão,
saudade, distância, recordação, desejo, amor e ausência...
A voz do
silêncio chega na brisa do entardecer. Silenciosa e mansamente desponta pela
janela e diz que trouxe o aroma de alguém, trouxe o perfume tão recordado no
corpo do ser amado.
A voz do
silêncio é pronúncia certa na solidão. Em momentos assim, quando a distância do
outro também provoca distanciamento de tudo, as meigas palavras ouvidas parecem
insistentemente ecoar.
A voz do
silêncio está na relíquia do passado, no baú da memória, no álbum de uma vida
inteira. E a cada folhear, a cada reencontro com as heranças afetuosas é como
se portas e janelas se abrissem com aquelas vozes tão amadas.
A voz do
silêncio chega no ecoar do sino na hora sagrada. E chega dizendo que há uma
prece a ser feita, há uma oração a ser dialogada com Deus, há uma fé que
precisa ser alimentada.
A voz do
silêncio também chega no mesmo sino da igreja nas horas mais inesperadas do
dia. O seu badalar logo traduz um misto de dúvida, de temor, de aflição. Alguém
partiu dessa vida e sua despedida é anunciada naquele triste soar.
A voz do
silêncio está no espelho, no velho e amarelado espelho. Diante da imagem de si
mesma, buscando toda a sinceridade e encorajamento para se reencontrar, a
pessoa intimamente vai se perguntando por que o tempo é tão voraz.
A voz do
silêncio está na carta guardada na escrivaninha, dentro do livro de cabeceira,
debaixo do travesseiro. E todas as vezes que a lê é como se dialogasse com a
saudade, com o desejo de ter aquela feição ali ao seu lado.
A voz do
silêncio está na janela, na porta, no olhar que mira a vida adiante. Os olhos
vão caminhando pelas paisagens, seguindo pelas estradas, avistando pessoas,
sentindo as transformações e dizendo da angustiante transformação com que tudo
se apresenta.
A voz do
silêncio está no silêncio, principalmente no próprio silêncio. Não há silêncio
que esteja desacompanhado da voz interior, do pensamento que fala, de tudo ao
redor que parece ter vida e voz.
A voz do
silêncio está no vento que chega trazendo notícias de outras paragens. Chega
veloz para dizer que não deseja que a dor percebida aconteça ali. Chega
festeiro para dizer que saia da janela e vá colher as flores do campo.
A voz do
silêncio está no íntimo, no âmago, no coração. E da voz do coração as razões
para a vida, as grandes lições que a tudo conduzem, as palavras amigas que
jamais desnorteiam as verdades.
A voz do
silêncio está na velha canção que de repente surge sem que precise de nada
cantando. E não uma canção qualquer, mas aquela que faz recordar, que relembra
um instante de amor. E quantas vozes, gritos e brados surgem neste momento de
doce e cruel recordação.
A voz do
silêncio está na lágrima. Toda lágrima brota de um sentimento. Todo sentimento
traz sua motivação. Um adeus, uma despedida, a dor, o sofrimento. E não há nada
que traduza melhor o instante que a lágrima com sua pronúncia dilacerante.
A voz do
silêncio está entre nós, mesmo distantes. Em silêncio ouço o que tanto queria
dizer. Em silêncio ouço o que gostaria de ouvir. A minha palavra sai do
silêncio e segue a tua procura. E depois retorna para dizer que não a
encontrou.
E que terrível
grito eu dou. Mas não mais em silêncio. Com a dor que em mim restou.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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