*Rangel Alves
da Costa
Não sou
Matusalém, aquele personagem bíblico que viveu exatos 969 anos. Mas certamente
viverei mais que este: exatos 1000 anos. Por quê?
Ora, nasci
hoje e novamente nasço e renasço a cada ano de vida, a cada aniversário, a cada
ciclo de existência. Hoje eu completo 54 anos, porém tenho apenas alguns
instantes ou horas de nascimento.
Ainda estou
nos braços de minha mãe Dona Peta depois do primeiro choro, depois de abrir os
olhos à luz do mundo. O fato de haver crescido e até envelhecido em nada
modifica o nascimento de agora. Sou a semente que ainda não brotou tudo aquilo
que me foi confiado florescer na existência.
Do útero de
minha mãe, o grão que ainda sou foi novamente semeado no ventre da terra. Por
isso mesmo que muito ainda me resta brotar, germinar, fazer florescer. E o que
me cofiado foi tanto que estes 54 anos vividos sequer gestaram uma pequena
parcela de tudo aquilo que a vida e o mundo esperam de mim.
Predestinado
eu sou a realizar, a criar, a fazer brotar. Silenciosamente ajo, sem alarde
algum vou gestando um mundo. Cato no passado, busco no presente, reviro o
ontem, entrelaço o instante. E assim a construção de um mundo que ofereço aos
de agora e aos de amanhã.
Eis o motivo
de minha existência tão duradoura, dos meus 1000 anos ou mais. Assim por que
desejo ser recordado como aquele que viveu os seus anos para fazer renascer
todos os anos e todos os tempos de seu Poço Redondo, desde os tempos primeiros.
No mesmo passo de Alcino, meu pai, aquele que amou sua terra na plenitude maior
de seu coração sertanejo.
Mas certamente
alguém diria que depois dos cinquenta anos a tendência humana é ir definhando
com a velhice até o instante de ao pó retornar. Esquece, contudo, que será mais
que duradouro todo aquele que não faz somente para o momento, que não labora
somente para o instante, que a cada ação objetiva a eternidade.
Na verdade, há
de se conceber a vida além da vida, além de simplesmente viver. O ser humano
jamais desaparece ou some na poeira do esquecimento se suas ações terrenas
tenham cimentado sua permanência. Jamais perecerá no esquecimento todo aquele
que após partir tenha deixado obra que o sustente como eternidade nas gerações.
Então, o que
faço senão semear essa mais que duradoura permanência? Nada do que faço será do
meu contentamento se não contentar também ao outro, precisamente aquele que
vive no meu tempo e o que virá após mim, e que possa beber da fonte do que
semeio neste deserto de pouca ou quase nenhuma memória.
Quando esta
geração passar e chegar outra geração e mais outra e mais outra, e ainda assim
o meu trabalho de agora ainda estiver presente - ou mesmo servindo como
parâmetro para realizações futuras - então já terei alcançado a idade de
Matusalém. Minha idade, assim, já não será aquela da existência terrena, mas
pelo tempo de colheita pelo que foi semeado.
Não vivo em
mim nem para mim senão o viver que possa servir ao próximo. Não tenho ouro nem
prata, não tenho incenso nem mirra, não tenho dinheiro nem moeda em cofre, mas
tenho muito mais. Buscando na Bíblia a verdade, nem mesmo Salomão em toda sua
glória possuiu riqueza igual a minha.
Sou como
aquele lírio do campo que silenciosamente embala sua humildade ao sopro do
entardecer. Sou como aquele pássaro que faz ninho no galho seco da catingueira
e depois cantarola feliz. Sou como aquele pastor que, mesmo descalço, faminto e
sedento, não teme a caminhada nem a cruz que carrega. Um lírio do campo tão
frágil e tão forte, um pássaro tão resoluto de vida, um pastor cujo cajado seca
o olho da maldade e da inveja.
Sou assim.
Aquele mesmo Rangel que você pensa que conhece e ainda não. O meu nome não é
Rangel. É Poço Redondo.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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